06 abril 2007

Rua Felipe Schmidt – O coração da cidade


Na primeira foto, obras de alargamento da rua, na década de 1930. Na segunda imagem, o mesmo cenário em registro feito recentemente


Texto de Carlos Damião
Publicado em A Notícia (AN Capital), outubro de 2002


“A cidade passava por ali”. A frase do jornalista Aldírio Simões, colunista do ANcapital, define com perfeição o significado da Rua Felipe Schmidt para Florianópolis, pelo menos até os anos 80, quando a cidade ainda respirava o clima de província e não havia sido inteiramente invadida. Passar por ali significava saber das últimas, conferir se alguém morreu, palpitar sobre quem ganharia a eleição, falar mal da vida alheia.
É importante separar a rua em três partes: a primeira quadra, entre a Praça 15 de Novembro e a Trajano, a segunda, entre esta última e a Jerônimo Coelho, e a terceira, da Jerônimo Coelho até o final, nas proximidades da Ponte Hercílio Luz, onde havia o antigo bairro do Estreito (insular). São três ruas diferentes e foi sempre assim, desde o século 19, quando Florianópolis começou a crescer no sentido Oeste. Embora a Conselheiro Mafra, por causa do comércio, tenha sido a mais importante da capital até o início do século 20, mais tarde a Felipe Schmidt acabou se transformando na principal da cidade. Não só principal, mas também a mais charmosa, elegante, freqüentada e observada.
Sua origem remonta ao século 18, embora tivesse pequena extensão, indo até as imediações da atual Praça Pio 12, onde está hoje o estacionamento subterrâneo, ao lado das Lojas Americanas. O primeiro nome registrado, conforme o historiador Oswaldo Rodrigues Cabral, foi “Rua da Fonte do Ramos”, numa referência à fonte de água que brotava no local, depois chamado de Fonte da Carioca e Largo Fagundes.
Mais tarde, por causa dos moinhos de beneficiamento de arroz que os açorianos mantinham na região, foi denominada Rua dos Moinhos de Vento. A esse nome seguiu-se o de Rua Bela (1817), Rua Bela do Senado (1865), Rua do Senado e Rua da República (1889). Felipe Schmidt seria uma homenagem ao governador catarinense que, na década de 10 do século 20 conseguiu resolver “a velha questão de limites com o Paraná” (segundo Cabral).
Até a década de 1920, a rua conservava seus traços arquitetônicos, tipicamente coloniais, segundo a arquiteta Eliane Veras da Veiga, em seu livro “Florianópolis: Memória Urbana”. Em 1926, foi inaugurada a Ponte Hercílio Luz, que daria um novo perfil urbano para a capital, tirando a Ilha de Santa Catarina do isolamento em que se encontrava até aquele ano. A Felipe Schmidt passou a ser, então, a principal via de acesso do centro da cidade até a ponte, uma vez que o principal obstáculo – o cemitério municipal – havia sido removido um ano antes. A cidade crescia, aumentava o número de automóveis e era preciso prepará-la para os anos seguintes. Por causa disso, o então prefeito Mauro Ramos decidiu pelo alargamento da via, que até então mantinha as características originais, equivalentes às ruas Tiradentes e Fernando Machado de hoje.
O registro do pesquisador Adolfo Nicolich, em seu livro “Ruas de Florianópolis”, aponta o ano de 1928 como o do início das obras que poriam abaixo uma quantidade não identificada de casas térreas e sobrados típicos da arquitetura portuguesa e açoriana. “Vários cortes alteraram seu perfil”, registra Eliane Veras da Veiga. “Foi largada por volta da década de 30, o que provocou uma modernização edilícia, afastando-a de sua velha aparência colonial. Os prédios mais antigos tiveram de ser demolidos, ao exigir-se um recuo; outros tiveram suas fachadas reformadas, adotando uma decoração eclética. Alguns especialmente construídos por grandes e tradicionais firmas comerciais da cidade, passaram a adotar linhas similares, caracterizando visual próprio da empresa. Tais prédios podem ser observados ainda hoje”.
A segunda grande transformação da rua aconteceu a partir de 1976, quando foi concluído o calçadão, uma decisão do então prefeito Esperidião Amin, inspirada no modelo curitibano. Amin previu a explosão populacional da cidade e, após estudos técnicos, determinou o fim do reinado do automóvel, no trecho entre a Praça 15 de Novembro e a Rua Álvaro de Carvalho. Até porque, àquela altura, com a inauguração da segunda ponte – a Colombo Salles –, o uso da Felipe Schmidt como via de acesso à Ponte Hercílio Luz perdera importância. Dois anos antes, eram comuns os engarrafamentos que iam justamente da praça até a ponte, por causa do volume de tráfego.

Rua Felipe Schmidt – Parte 2

“No Senadinho ou na figueira se decidem os destinos do mundo. E o Senador vitalício, rodeado de sua corte, dá audiências e pontifica”. [Salim Miguel, na crônica “Não tem mais Ninguém”].

Lendas da Felipe Schmidt

A Felipe Schmidt, como centro de fofocas e falatório, foi sempre palco de histórias, umas bem, outras mal contadas. Entre as lendas do lugar, resgatamos três:

O “dono” dos carros

Aderbal Ramos da Silva era governador do Estado (1946-1950) e, apesar da pompa do carro, às vezes deixava seu carro estacionado nas imediações do Senadinho. Adolfo, guardador de carros – o ‘flanelinha’ da época – percebeu quando aquele homem severo aproximava-se do veículo, com as chaves na mão, pronto para abri-lo. “Um momento”, gritou Adolfo. O governador virou-se e viu o pobre coitado ao seu lado, em atitude intimidatória. “O que foi?”. O guardador não se fez de rogado e lascou: “Este carro é meu”. Aderbal entrou no jogo. “Ah, é seu? Quer vender?”. Ao que Adolfo assentiu positivamente com a cabeça. “Quanto é que você quer por ele?”. O rapaz estipulou um preço, equivalente a R$ 1 na moeda de hoje. Aderbal pôs a mão no bolso, catou umas moedas e “comprou” a liberdade do seu próprio carro.
O guardador, que não batia muito bem da bola, vivia se atritando com os donos dos carros e também com um guarda de trânsito, Marrequinha, outra figura folclórica da região central. Era o guarda aparecer para multar os automóveis estacionados irregularmente que Adolfo punha-se a discutir, autonomeando-se proprietário dos veículos. As discussões entre os dois eram célebres e chamavam a atenção de todos os que freqüentavam o Senadinho.

A orelha de Cesar Cals

O episódio da Novembrada (30 de novembro de 1979) começou na Praça XV de Novembro, em frente ao Palácio Rosado (depois Cruz e Sousa) e terminou na Felipe Schmidt, nas imediações do Ponto Chic. A assessoria do presidente João Figueiredo, que errou em tudo naquele dia, previu uma descida do general à praça, onde inauguraria uma placa em homenagem a Floriano Peixoto, seguindo depois para o Senadinho, onde a comitiva provaria o tradicional cafezinho e entraria para a história da instituição. Com a confusão armada na praça, populares destruíram a placa que lembrava o marechal que mandou matar mais de 100 desterrenses em 1893. A fúria prosseguiu pelo calçadão, onde a segurança fazia de tudo para deter os rebeldes, protegendo Figueiredo e seu staff. Entre os acompanhantes do general estava o ministro das Comunicações, Cesar Cals. Atingido por um tapaço na orelha, supostamente desferido por um motorista de táxi, Cals foi ao chão. Segundo a lenda, foi o único do grupo presidencial que sofreu alguma agressão física.

As meninas do Coração

A Felipe Schmidt foi, nos anos 40 e 50, a rua do “footing”, o tradicional passeio dominical das moças solteiras, que faziam o trajeto entre a Praça XV de Novembro e a esquina com a Rua Trajano várias vezes. “Elas vinham e voltavam”, lembra Aldírio Simões, “despertando idéias românticas e sensuais nos rapazes que circulavam durante as tardes, depois das vesperais dos cinemas (São José e Ritz)”.
Nos anos 60 e 70, o “footing” já não existia e a aglomeração masculina nas esquinas da Felipe Schmidt se dava por outra razão, especialmente nos dias de vento sul: assistir a passagem das estudantes do Coração de Jesus, até então um colégio exclusivamente feminino. Elas usavam saias beges plissadas que, ao sabor do vento intruso, às vezes subiam à cabeça, causando furor generalizado entre os rapazes.
Por causa do “footing” e das meninas do Coração a Felipe Schmidt foi considerada, durante muitos anos, a rua “da paquera”, num tempo em que não havia os shoppings, nem a Avenida Beira-Mar e pouca gente tinha carro para freqüentar as praias de Coqueiros, muito menos Canasvieiras.

Rua Felipe Schmidt - Parte 3

Figuraços da Felipe

O cronista da cidade, Beto Stodieck [esquerda], e o senador Alcides Ferreira, na esquina da Felipe Schmidt com a Rua Deodoro. Imagina-se que eles tinham acabado de sair do Cartório Luz, onde pediram a bênção habitual à Ciloca, filha do ex-governador Hercílio Luz. A obra que aparece à direita é a do ARS

O Senador – Alcides Hermógenes Vieira, elegante, impecável em seus ternos de linho branco, foi o personagem mais importante da história do Ponto Chic, ainda que pelo café tenham passado presidentes e candidatos a presidente da República. Conhecido como “Senador”, funcionário público, gozador emérito, entrou para a galeria dos tipos inesquecíveis da Rua Felipe Schmidt e adjacências pela irreverência com que abordava os mais diversos temas. Entre seus companheiros prediletos dos últimos anos estavam o jornalista José Hamilton Martinelli, Hercília Catarina da Luz (filha de Hercílio Luz e dona do cartório Luz), Cláudio Morais, entre outros. Com Martinelli (Martina) difundiu algumas das melhores histórias do folclore ilhéu.

Lurdes da Loteria – “Vai um bilhete da Federal, engenheiro agrônomo?”. No outro dia, o mesmo personagem abordado poderia ser médico, deputado, jornalista, qualquer coisa que viesse à cabeça de Lurdes da Loteria, uma personagem inesquecível da Rua Felipe Schmidt, ao longo de mais de 20 anos. Sempre bem vestida, séria, muitas vezes com uma renda prendendo o cabelo – o que lhe dava a aparência de uma evangélica ortodoxa –, Lurdes vendeu seus bilhetes para anônimos passantes, políticos, empresários, sem que se saiba se alguém, algum dia, conseguiu abiscoitar um “grande prêmio”. A vendedora morreu vítima do incêndio de sua casa de madeira.

O homem do Globo – Nos anos 60 e 70, outro figuraço que circulava pela Felipe Schmidt, sempre vestido de macacão azul, cigarro no canto da boca, era Ademar, o “homem do Globo”. Seu grito (“O Glooobôôô!!!”) era inteiramente integrado à paisagem humana do lugar, num tempo em que a leitura do jornal carioca era considerada fundamental para a atualização dos ilhéus, fato que justificava por inteiro a existência de um jornaleiro exclusivo.


Felipe Schmidt – Curiosidades

· A Igreja de São Francisco, na esquina com a Rua Deodoro, é o prédio mais antigo da Rua Felipe Schmidt, inaugurado em 1815. Nos fundos da igreja, ficava o cemitério da irmandade que administrava o templo católico. Desativado, o terreno foi adquirido pelo político Aderbal Ramos da Silva, que construiu em seu lugar o Centro Comercial ARS. (*)

· O Lux Hotel foi construído por volta de 1945, constituindo-se em um dos mais importantes estabelecimentos do gênero em Florianópolis, abrigando políticos e outras personalidades que visitavam a capital. Em seu térreo instalou-se o café Ponto Chic, cujo proprietário mantinha o Café Quidoca, num sobrado ao lado.

· Em frente ao Lux, havia a Confeitaria do Chiquinho, cujo prédio durante muitos anos abrigou a Lojas Arapuã e foi restaurado recentemente pela Livrarias Catarinense. O Chiquinho era um dos pontos de encontro mais imponentes de Florianópolis, famoso pela qualidade de seus quitutes.

· Próximo ao Largo Fagundes, hoje Praça Pio XII, havia uma casa noturna chamada Hemorragia, onde muitos homens dos anos 50 faziam suas “despedidas de solteiro”, naturalmente que muito bem acompanhados pelas meninas da boate.

· Um pouco acima, próximo à esquina com a Rua Bento Gonçalves, funcionou durante alguns anos a Boate Paineiras, que reunia a juventude dos anos 70.

· Entre os bares, destacavam-se o Alvorada, reduto da boêmia que existiu até a década de 70, e o Nipon, uma pastelaria que oferecia a antológica “cachamel”, uma caipirinha de mel servida em copos do tipo “martelinho”.

· O Café Nacional, também na primeira quadra, era conhecido como o “café dos políticos” nos anos 50.

· Duas emissoras de rádio funcionaram durante anos na Rua Felipe Schmidt: a Diário da Manhã, no edifício Comasa, e a Santa Catarina, no edifício Zahia.

· Quando morria alguém conhecido, os amigos pregavam um aviso na parede de mármore do Ponto Chic. A tradição se manteve até poucos anos.

· No final da Rua Felipe Schmidt, que era a saída da cidade, funcionou durante décadas um dos primeiros postos de gasolina da cidade, ao lado do mais tradicional restaurante de Florianópolis, o Lindacap, destruído por um incêndio há dois anos e reconstruído há poucos meses.

· A Livraria Record, existente na esquina com a Trajano, é o único estabelecimento da rua que mantém sua atividade original. Chamava-se Livraria Central, na década de 30, quando houve o alargamento e era de propriedade de Alberto Entres.

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(*) Aqui há um equívoco. Na verdade, o cemitério foi desativado no século 19. Quando Aderbal decidiu construir o ARS, foram demolidos os casarões que existiam nas ruas Felipe Schmidt, Jerônimo Coelho, Deodoro e Conselheiro Mafra. Alguns desses imóveis eram de propriedade da Hoepcke.

10 março 2007

Meditações sobre a cidade

Por Abelardo Souza (*)

Para quem, através de leituras, fotografias e, mesmo, lembranças (hoje, em raros casos), se detém na imagem de Florianópolis da última década do século passado até meados dos anos cinqüenta deste, há de admirar-se e até de espantar-se pelo tanto que cresceu esta cidade, se comparado aquele período com o que se lhe tem seguido até hoje, mais precisamente a partir dos anos sessenta.
As mutações por que passam os lugares onde nascemos ou deitamos raízes e nos quais nos deixamos estar, por princípios avitos de acomodação, são semelhantes, mutatis mutandis, às mutações da moda. Quase não as percebemos e nos parecem corriqueiras no seu discreto passar e no seu constante evolver. Mas, se as comparamos com imagens do passado, muita vez não tão longínquas (fotografias e filmes, principalmente), o espanto é grande: "Ora, veja isto aqui! amigo: em 1945, o Estreito parecia uma cidadezinha do far-west americano. Em 1940, não possuía nenhuma rua calçada. - E esta aqui: em 1953, não havia nem sombra de Estação Rodoviária junto à Maternidade. A avenida Mauro Ramos nem era calçada. - E essas elegantes aqui no "12 de Agosto" de 1960. Coisa horrorosa! Dizer que isto já foi moda! Santo Deus! - Olha aqui os calções dos jogadores das seleções de futebol na Copa da Suécia, e 58. Parecem mais balões do que calções"...
Não é assim mesmo, caro leitor? Pois, sabiam os mais moços que, há uns trinta e oito anos, por volta de 1940 (será tanto tempo? Para mim, parece que foi ontem), este lugar, que já foi Mei-en-bipe, Ilha dos Patos, Desterro e, agora, é Florianópolis, ainda era o paraíso da pacatez e da pasmaceira. Tenha o prezado leitor presente o hoje e o confronte com estas lembranças do ontem, que eu conheci.
Em tardes ensolaradas de primavera, descia-se a Rua Esteves Júnior, cheia de casarões, chácaras e outras belezas. Um ar de modorra ali pairava. Um silêncio benfazejo, assustado aqui e ali pelo canto dos pássaros e pelos assobios do vento nordeste, que se encanava por ali, vindo da Praia de Fora. Atravessava-se calmamente a Avenida Rio Branco sem calçamento, a única via que tinha o topete de cortar a Esteves Júnior. Automóveis? Se você visse algum por ali, ganharia um prêmio. Deserto também de gente. Um ou outro gato pingado, como a gente, perdido naqueles dois mundos de caminho.
Se, chegado ao Jardim do Katcips (bem que poderia ter esse nome), você dobrasse à direita, lá ia pela Bocaiúva a fora ("Praia de Fora faceira; berço da aristocracia"). Sempre sobre o chão de terra, você alcançava a Agronômica, a Penitenciária, a Trindade... Se dobrasse à esquerda, entrava na bucólica Rua Almirante Lamego, antiga de Sant'Ana, também com leito de terra. No fim desta, as cercanias da Praia do Müller eram quase uma floresta. Ali podia esconder-se até o crime. Foi o que ocorreu, pouco antes de 1940, com uma pobre mulher, que teve o seu corpo barbaramente esfaqueado, nunca se soube por quem. O ambiente deserto fora propício ao crime perfeito.
A Rua Presidente Coutinho, também sem calçamento, era praticamente mato só. Quem se lembra da "Capitoa", pobre mulher, mas rica reprodutora de crianças de todas as cores, que a seguiam como um batalhão pelas ruas da cidade a guerrear a fome com as armas da esmola... O batalhão da miséria era alvo predileto da chacota popular. Ainda hoje se ri dos desgraçados... Mas, eu falava na rua Presidente Coutinho. Pois, a Capitoa tinha ali o seu barraco. Quase na esquina desta com a Rua Nereu Ramos.
Um dos lugares mais solitários era a Praça Getúlio Vargas. Hoje, aliás, ainda conserva um toque de soledade. No tocante a gente, bem entendido, porque por automóvel o seu jardim se vê bolinado por todos os lados. O Largo Fagundes (feliz e finalmente, restituíram-lhe o antigo nome) parecia, com raras exceções, a praça da Enseada do Brito. A Felipe Schmidt acabava, como rua, no atual prédio da família Amin Helou. A Rua Hoepcke, hoje calçada, era a maior perambeira que já se viu nesta cidade. Os que a tinham de subir ou descer bem podiam receber a medalha de alpinistas. A estrada do Saco dos Limões empatava com as de desenho animado. O Campo do Manejo (Largo General Osório), talvez há mais de um século com a mesma área e casario, ainda teria de esperar quinze anos para dar lugar ao atual Instituto Estadual de Educação. Por quase todo esse tempo, viveu cercado - ninguém sabe a troco de quê - por alta parede de tábuas. Sobre esse local, permitam-me contar-lhes um fato pitoresco: quando o presidente Vargas aqui esteve a inaugurar o Grupo Escolar do Saco dos Limões, o interventor Nereu Ramos o levou a visitar aquela área, onde já se visava construir o novo Instituto de Educação. Ali chegando a comitiva, o presidente viu alguns garotos a disputar uma "pelada". Amigo das crianças, chamou os garotos e lhes disse mais ou menos isto: "O Doutor Nereu me disse que vai mandar construir aqui uma grande escola e para isso vai ter de cercar todo este largo. Como farão vocês, então, para jogar o seu futebol?". Um dos garotos não titubeou: "Nós pulamos a cerca".
Pois, meus amigos, tudo isto e mais alguma coisa que o espaço não permite arrolar, virou em tão pouco tempo um passado que parece século. No entanto, pouco foi o tempo em que a cidade - que para muitos nunca sairia do seu provincianismo material, por ser terra de funcionários públicos - saiu da sua letargia, contornou e subiu o Morro do Antão, afogou o Estreito e, não achando mais chão, está subindo aos céus e conquistando o mar.
Se eu gostava mais da cidade antiga? Não, propriamente. Apesar de saudosista, amo cada vez mais a minha cidade. Ela é assim como uma companheira. E mulher da gente não se ama só no viço da mocidade. Ama-se por toda a vida. É ou não é?...

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Crônica originalmente publicada no jornal O Estado, extraída do livro "Painéis", editado pela Fundação Catarinense de Cultura em 1982.
Abelardo Souza nasceu em Florianópolis em 18 de fevereiro de 1920 e morreu em 1986. Foi professor e inspetor geral do ensino (mestre-escola) em Santa Catarina. Era também músico, autor de hinos, canções e marchas carnavalescas.

22 fevereiro 2007

COLOMBO SALLES, O CONSTRUTOR DA 2ª PONTE

Ex-governador que construiu a ponte Colombo Salles adverte para os riscos de estrangulamento urbano em Florianópolis

ENTREVISTA COM O EX-GOVERNADOR COLOMBO MACHADO SALLES
Publicada em 15 de março de 2005 – No jornal A Notícia – Suplemento especial sobre os 30 anos de inauguração da Ponte Colombo Salles


Colombo Salles

"Capital exige planejamento cauteloso"

Estar no lugar certo na hora certa. Talvez essa condição de causa-e-efeito tenha sido determinante para que o engenheiro Colombo Machado Salles, um homem tímido, mas respeitado profissionalmente, inscrevesse seu nome em definitivo na História de Santa Catarina. Graduado pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Paraná, especializado em portos, vias e canais, ingressou no serviço público federal mediante concurso público e galgou os mais importantes postos em sua especialidade, chegando à direção do Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis. Além disso, implantou a estrutura administrativa que daria origem ao Governo do Distrito Federal e foi professor de universidades em Goiás, Brasília e Santa Catarina. Em 1970, foi surpreendido com a notícia de que seria o novo governador de Santa Catarina, o primeiro eleito de forma indireta, em substituição a Ivo Silveira. Antes mesmo de assumir, já tinha uma determinação: construir a segunda ligação entre a Ilha de Santa Catarina e o Continente. Ponte inaugurada em 8 de março de 1975 e que receberia seu nome.
Nesta entrevista exclusiva para A Notícia, concedida no dia 6 de janeiro deste ano, o ex-governador faz revelações sobre a casualidade que o levou à atividade política, sobre os principais eventos relacionados à construção da ponte e, ainda, sobre as decepções que marcaram sua vida, principalmente quanto ao aterro da Baía Sul.

A Notícia – Quando é que o senhor percebeu a necessidade de uma segunda ponte entre a Ilha de Santa Catarina e o Continente?
Colombo Salles
– Foi em janeiro de 1969. Eu trabalhava no Ministério dos Transportes, ligado diretamente ao ministro Mário Andreazza. Um dia ele me chamou e disse: "Tenho aqui uma correspondência oficial vinda do Itamaraty. Está lacrada. Eu sei o que é". Respondi-lhe: "Se está lacrada, não quero saber". Então ele me deu a determinação: "O senhor vai a Santa Catarina, entregar ao governador do Estado, doutor Ivo Silveira. Vai para casa agora e não comenta isso com ninguém. Voei num avião da Cruzeiro do Sul que ia direto para a capital catarinense. Quando eu abri o Jornal do Brasil, o conteúdo da minha correspondência estava todo ali. Chegando a Florianópolis, fui para o Palácio da Agronômica. O governador já tinha lido o jornal. Quando lhe entreguei a correspondência secreta ele disse: "Acho que já conheço o conteúdo". Abriu. Era do Ministério das Relações Exteriores comunicando que havia ocorrido problemas em duas pontes nos Estados Unidos (Silver Bridge, sobre o rio Ohio, e St. Mary Bridge, em West Virginia), similares à Hercílio Luz. Eram pontes pênseis projetadas para rodovia e ferrovia. Era um modelo só, com um cálculo só. É ponte só na travessia do canal, com dois viadutos laterais. Essa ponte do canal era sustentada por barras que têm um pino no meio. Lá nos Estados Unidos houve uma ruptura desse olhal que ligava as duas hastes.

AN – Os catarinenses, então, corriam o risco de perder a única ligação da capital com o continente?
Colombo – Como das três só tinha ficado de pé a Hercílio Luz, o Ministério achou por bem recomendar uma vistoria. Entreguei a correspondência para o governador. Minha missão foi cumprida. Fui a Laguna e voltei a Florianópolis. O governador me disse que ia se dirigir diretamente ao presidente da República. Mais tarde Andreazza me disse que Ivo Silveira havia feito uma exposição de motivos ao presidente da República, pedindo dispensa de concorrência pública para construção de uma outra ponte. Não vi o texto, só soube pelo ministro.

AN – O senhor continuou em Brasília?
Colombo
– Não. Andreazza me mandou para Santa Catarina, para trabalhar no Governo do Estado. O ministro queria o meu apoio no Estado para a sua eventual candidatura à Presidência da República. Ivo Silveira me nomeou para o Plameg (Plano de Metas do Governo). Três meses depois, recebi um telefonema de Andreazza, me convocando de novo para Brasília, onde assumiria a diretoria do DNPVN. Era o auge da minha carreira, o ponto mais alto. Pedi demissão do Governo do Estado e assumi o departamento. Tempos depois, fui convidado para dar uma palestra em São Paulo, cujo tema era justamente a minha especialidade técnica. Quando eu estava no meio da exposição, o presidente do diretório acadêmico surgiu e me interrompeu. Quando a gente está fazendo uma exposição numa universidade e surge no meio o presidente do diretório a gente pensa: "Dei uma bola fora". Pior ainda, o assunto não era muito bem recebido pela população. O rapaz disse: "Eu estou interrompendo porque a Hora do Brasil acaba de anunciar que o nosso palestrante foi indicado para a eleição indireta, pela Assembléia Legislativa, para o Governo do Estado de Santa Catarina". Me preparei para uma vaia.

AN – Foi aí que o senhor soube?
Colombo
– Foi. Eu soube pelo estudante. Nunca ninguém me falou quem teria sido o responsável. Sabia que o doutor Muniz Aragão (secretário da Saúde do governo Ivo Silveira) era candidato, e ele era um homem muito correto. Pronto para ouvir uma vaia depois que o líder estudantil falou, para surpresa minha, fui aplaudido. Aí acabou a palestra, acabou tudo. Voltei para casa no dia seguinte e depois fui falar com o Andreazza. Ele disse: "Vai deixar o cargo que você gosta para ocupar um cargo político?".

AN – Quem escolheu o senhor?
Colombo
– Não sei. Desconfio. O Andreazza dizia: "Você está maluco".

AN – Mas não foi o Andreazza?
Colombo
- Não foi ele.

AN – O senhor procurou saber?
Colombo
– Sim. Mas fui ao presidente Emílio Médici, ele não me disse nada. "Presidente, meu último ancestral político foi o Lauro Müller, irmão da minha avó. E o Felipe Schmidt, que era primo do meu pai. Meu pai não teve atividade política e eu fui criado na geração do Getúlio, quando, como o senhor sabe, não havia manifestação política, não havia nada. Nunca me envolvi em política. Nunca assisti um comício. Ele olhou para mim e disse: "Eu também não". Presidente, o que é que eu faço? "Vai trabalhar, vai". Ele me tratava com muito carinho. Fizeram muita injustiça com ele, Médici não era esse homem de quem falam, de "era de chumbo". Governei Santa Catarina durante quatro anos, nunca ninguém foi agredido com atos, gestos, palavras, ninguém foi preso.
Tinha uns processos na CGI, duas personalidades importantes. O almirante estava sozinho aqui, convivia muito com agente, fizemos amizade. Um dia, uma personalidade daqui, de muito respeito, me procurou, triste porque tinha um processo na Comissão Geral de Inquérito (CGI) contra ele. Um industrial de Blumenau também estava sendo investigado.

AN – Quais eram os nomes?
Colombo
– Embora já tenham morrido, prefiro não citar os nomes. Falei para o almirante sobre o que havia na CGI. Nada. No outro dia, me telefonou. Um deles era uma situação tão absurda, que mandei eliminar. O outro era problema de recolhimento de impostos. A pessoa recolheu, tudo certo.

AN – Já havia um projeto para a ponte quando o senhor assumiu?
Colombo
– O projeto do aterro da Baía Sul é de minha autoria. O governador Celso Ramos (administrou o Estado no período de 1961 a 1965) gostou muito, conseguiu a aprovação e na transferência dos documentos do ministério da Viação e Obras Públicas (depois Transportes), do Rio para Brasília os documentos desapareceram. Quando eu assumi, o aterro já estava aprovado. Como eu tinha sido presidente do conselho de administração da Companhia Brasileira de Dragagem, na qualidade de diretor geral do DPVN, consegui imediatamente a draga. Muito antes de começar a construção da ponte, o aterro já estava quase pronto. Com o projeto do aterro, já fizeram também o planejamento para duas pontes e o projeto dos túneis. Tinha recursos para isso, que foram utilizados para ampliar a Beira-Mar Norte. Não quis começar o aterro do Saco dos Limões (Via Expressa Sul) porque não ia terminar, era uma questão de ética.

AN – É certo afirmar que o aterro não seguiu o projeto original?
Colombo
– Como tinha esse aterro, eles projetaram duas pontes, que se chamariam Paulo Fontes, que projetou o primeiro aterro e Gustavo Richard, que era o vice-governador de Lauro Müller. Foi feito então um projeto de ocupação do aterro. Era muito bonito, foi aprovado pela lei federal 5.013, de 9 de outubro de 1974. Foi revogado pela lei 5.483 de 9 de outubro de 1978, da Assembléia Legislativa. Foi revogado porque a Câmara dos Vereadores de Florianópolis não aprovou o projeto, deixou em banho-maria. Haveria um centro comercial, que manteria todo o sistema comercial. Hoje está uma balbúrdia no trânsito, porque o comércio grande está se deslocando. Havia um projeto de um shopping, onde haveria local exclusivo para o comércio. Havia uma parte de edifícios um centro administrativo oficial. Havia uma parte para escritórios, outra para residências de pessoas de baixa renda, para não gastar com transporte, e uma área reservada para um centro ecumênico.

AN – Por que a Câmara de Vereadores não aprovou?
Colombo
– Esse projeto chegou à Câmara de Vereadores e foi bombardeado. O vereador Valdemar da Silva Filho (Caruso) dizia que o aterro era "o enterro do Desterro". Por causa da oposição, que dizia que afastei Florianópolis do mar, a Câmara não aprovou. Outros governadores fizeram modificações posteriores. Tenho um carinho especial pelo aterro, porque nasceu da minha cabeça mas virou uma balbúrdia.

AN – Não havia outra solução?
Colombo
– Foi um problema econômico também. Economizamos um vão de ponte, a ponte ficou mais curta, mais barata. Sabe qual é a profundidade das fundações? Nove metros de água e 70 metros de argila orgânica. Desci várias vezes para conhecer os trabalhos. As fundações são caras e é a parte que não aparece.

AN – E aquela estação de tratamento de esgotos? Havia alguma previsão?
Colombo
– Havia um projeto de esgoto, comprei várias áreas de decantação, não sei porque não executaram. Aí resolveram colocar o esgoto no aterro. É uma pena, na entrada na cidade.

AN – O fim do Miramar é motivo para lamentação na capital. Como é que isso ocorreu?
Colombo
– Ali não dava para chegar, era lodo puro, não dava para usar. Quando a maré subia, chegava nas lojas. Sou muito criticado por causa do Miramar. Mas o Miramar caiu, não foi derrubado. Era um trapiche coberto, não tinha estilo, não tinha nada. Era freqüentado por pessoas sem muito conceito. À noite ninguém ia ali. Cheguei a limpar o local, fiz várias exposições, não ia ninguém, porque quem freqüentava não tinha bom conceito. Quando veio a draga, a estrutura foi abalada.
Muitos dos que criticam o Miramar nem conheceram o trapiche.

AN – Como é que o senhor avalia o futuro de Florianópolis?
Colombo
– Urge a necessidade de uma revisão de planejamento cauteloso, com base em pesquisas e competência para o futuro. A desordem grassou aqui, cresceu, e hoje está difícil dirigir pelas ruas projetadas, antigas. Há necessidade de um sistema viário secundário, como a via expressa, que tem um ramo que liga à Beira-Mar Norte (Rua Antônio Edu Vieira). Ela foi projetada para ser a continuação da Via Expressa. Tem que encontrar outra solução.

AN – O senhor saiu do governo frustrado com alguma coisa?
Colombo
– No setor de transportes, de todos os 25 projetos que tinha para realizar, o único que não concluí foi o da BR-282. Mas a estrada longitudinal ligando São Miguel d'Oeste a Lages só foi possível porque fizemos de Rio do Sul a Campos Novos. Então, houve um dispêndio que não estava previsto no projeto. E até hoje não concluíram a BR. Isso me decepcionou. Também o processo não foi debatido. A Câmara de Vereadores me decepcionou não aprovando a urbanização do aterro. A cidade teria outro aspecto.

15 fevereiro 2007

PERCEBI tardiamente o quanto é difícil postar comentários aqui. Para comentar, é preciso ser usuário do sistema Blogger-Google-Gmail. Quem tiver interesse em comentar sem maiores dificuldades, pode me mandar e-mail para algum dos endereços a seguir.

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Todas as críticas e sugestões serão bem-vindas e publicadas, desde que, evidentemente, não sejam ofensivas.

Grato, Carlos Damião, editor-responsável por este blog

14 fevereiro 2007

O Preço da Ilusão – Parte 1


A matéria que reproduzimos hoje foi publicada na edição número 67 do Jornal da Semana, tablóide que circulou em Florianópolis entre 1978 e 1980. Trata de “O Preço da Ilusão”, o primeiro longa-metragem rodado na capital catarinense, em 1957, sob a responsabilidade do Grupo Sul.
O material foi inteiramente digitalizado (inclusive as fotos) pelo autor deste blog, que conserva os originais do jornal (e algumas imagens) em seus arquivos.


Imagine-se viver numa cidade como Florianópolis, há 30 anos, com uma população ultraconservadora e provinciana – não ultrapassando a casa dos 80 mil habitantes. Naquele tempo ainda havia carrinhos-de-cavalo, os carrões dos playboys, o Miramar, o porto e uns poucos arranha-céus. As moças ainda faziam o 'footing' em torno da Praça 15 e usavam vestidos que lhes escondiam os joelhos. Rapazes e senhores envergavam seus ternos de linho, usados de preferência com uma camisa branca e com uma gravata preta, fininha – capazes de causas 'ohs' de admiração nas moças. A cidade era pacata e, até, recatada: parecia parada no tempo, avessa a mudanças.
Esta seria, é claro, a primeira impressão de algum incauto observador que enxergasse apenas a superfície da cidade. Sim, pois nem tudo era pacato e nem tudo cheirava a atraso e monotonia: havia o Grupo Sul e uma inquietação anormal. Havia o Sul, um grupo que, em fins da década de 1940, empurrara o ranço parnasiano da Ilha para o purgatório, trazendo, para a antiga “Exiliópolis” do século 19, um movimento que transformara a arte e a cultura brasileira no princípio do século (20): o modernismo.
Para aquela pacata e provinciana Florianópolis, o florescimento de inquietações incomuns representava, sem dúvida, uma ameaça às estruturas culturais convencionais, conservadoras e distantes da realidade. Temia-se o Grupo Sul como se teme o vento Sul, que sempre traz frio, chuva e certa insegurança. Daquele grupo de rapazes e moças, inquietos e renovadores, nasceria todo um trabalho em prol da cultura de Santa Catarina, até então estagnada e alienante.
Um dos grandes produtos do Grupo Sul foi a revista Sul, de literatura e debate, editada ininterruptamente durante dez anos e responsável pela difusão da cultura catarinense em todo o mundo. Dos escritores que iniciaram publicando trabalhos na Sul muitos adquiriram projeção nacional e internacional. É o caso de Salim Miguel, Silveira de Souza, Eglê Malheiros, Aníbal Nunes Pires, Glauco Rodrigues Corrêa, Hugo Mund Jr., Walmor Cardoso da Silva e outros. Rompia-se, de fato, com uma literatura arcaica, provinciana e conservadora e partia-se para uma literatura participante, profundamente vinculada à vida, ao real.

CINE-CLUBE

A revista Sul constituiu apenas uma parte do trabalho do grupo. Paralelamente, aqueles rapazes e moças iniciavam outra atividade: o teatro, que revelaria nomes como Ody Fraga e Silva que, mais tarde, viria a ser um bem-sucedido diretor de cinema brasileiro. Também no cinema poderia ser citado Marcos Farias, integrante do grupo.
Nas artes plásticas – outra atividade constante do Grupo Sul – seriam revelados nomes como os de Hassis, Ernesto Meyer Filho, Dimas Rosa, Aldo Nunes e Hugo Mund Jr. O grupo se fortalecia, inquietava a cidade. Ao mesmo tempo, criava-se o primeiro museu de arte moderna do país e redescobria-se Martinho de Haro.
Ainda em fins da década de 1940 surgiria em Florianópolis o primeiro cine-clube de sua história, projetando na época os maiores filmes do cinema mundial. Trazia-se para a pacata Ilha realizações de diretores que, à época, revolucionavam a sétima arte, introduzindo novas formas de pensar a realidade. Assim, os habitantes da cidade, acostumados com a ingenuidade das produções da Atlântida e de Hollywood, começaram pouco a pouco a tomar conhecimento de nomes como Vittorio de Sica, Orson Welles, Alberto Lattuada e outros.
Na revista Sul iniciavam-se discussões sobre a função do cinema e do cine-clube. No Rio de Janeiro, Nelson Pereira dos Santos acabava de rodar “Rio 40 Graus” – um marco na história cinematográfica nacional, já que representa o início de uma nova fase para a Sétima Arte no Brasil: o Cinema Novo. O filme partiu de uma idéia de Arnaldo Farias de fixar os mais variados aspectos da cidade, tendo como ligação alguns pequenos vendedores de amendoim. Nelson Pereira dos Santos formou uma espécie de cooperativa, colocando um novo tipo de produção, tanto em método como em proposta.

O PREÇO DA ILUSÃO

A proposta do cinema novo atingiu Santa Catarina e, diretamente, o Grupo Sul. Repentinamente, surgiu a idéia de realização de um filme, aqui, na Ilha, como resposta ao “Rio 40 Graus” de Nelson Pereira dos Santos, mostrando identicamente, alguns aspectos da cidade. O grupo discutiu e partiu para a prática.
Dizia Salim Miguel à revista Panorama, do Paraná, em 1958: "A idéia de se abandonar a teorização para a prática vinha de longe. Chega um dia que as salas escuras não bastam. Há necessidade da pessoa que se interessa por cinema se experimentar, fazer também suas tentativas. Debates, discussões acaloradas em torno desta ou daquela escola, análise de filmes, tudo conduzia os mais inquietos, canalizava aquele esforço e aquela pesquisa para um determinado fim".
O grupo se organizou e pediu o apoio de intelectuais experientes na área, como Nilton Nascimento e E. M. Santos, vindos respectivamente de Porto Alegre e São Paulo. Com a ajuda financeira de pessoas da cidade e com um crédito obtido através do Banco do Estado de São Paulo, constituíram a Equipe Cinematográfica Alberto Cavalcanti, da Sul Cine-Produções, e lançaram-se à aventura – “ousadia”, no dizer de Eglê Malheiros – de fazer um filme em Florianópolis, em 1957. E fizeram "O Preço da Ilusão", uma idéia ambiciosa, segundo Eglê, mas que representou o esforço do Grupo Sul para acompanhar os passos iniciais daquele movimento que revolucionaria o cinema brasileiro.

CRÔNICA DE UMA CIDADE

"Contando apenas com dois papéis centrais", dizia Salim Miguel à mesma revista Panorama em 1958, "e cerca de 80 pessoas com participação de importância relativa, além de centenas de figurantes, pode-se dizer que os verdadeiros “artistas do filme” são a cidade de Florianópolis e a ponte Hercílio Luz. Praias, ruas, bares, becos, recantos pitorescos, praças e jardins, mercado, e em especial a ponte, atravessam o filme de ponta a ponta, dão-lhe uma fisionomia própria, particular, característica. Ali, então, uma humanidade como todas, com seus sonhos e desilusões, esperanças e desventuras, se locomove. E a câmera procura captar com precisão tudo aquilo".
Esta seria uma definição aproximada do que pretende ser "O Preço da Ilusão": a crônica, o painel de uma cidade, através da construção de duas histórias em contraponto. Com 70% de exteriores – proposta, aliás, intencional – "O Preço da Ilusão" pretendeu ser uma aula prática do que os rapazes e moças da Sul aprenderam com o neo-realismo italiano e com o cine-novismo brasileiro, então emergente.
Nesta reportagem, o Jornal da Semana reconstitui para a Florianópolis de hoje – urbanizada e a caminho da explosão – os caminhos percorridos por aqueles jovens que, na década de 1950, ousaram pôr em dúvida o marasmo e o provincianismo, construindo, com garra, o primeiro filme da história de Santa Catarina.

[Primeira retranca da matéria publicada no Jornal de Semana, edição número 67, 10 a 17 de maio de 1980].

O Preço da Ilusão – Parte 2

A escritora e argumentista de "O Preço da Ilusão", Eglê Malheiros, em foto de maio de 1980 (possivelmente registrada por Paulo Dutra) : filme era uma crônica da cidade

O fracasso mais criativo e
multiplicador da nossa cultura

Eglê Malheiros e Salim Miguel foram os autores do argumento de "O Preço da Ilusão". Nesta entrevista ao Jornal da Semana, eles recordam as dificuldades enfrentadas na época e depõem sobre a realização e importância do filme.

Jornal da Semana – Como surgiu a idéia de fazer "O Preço da Ilusão"?
Eglê Malheiros
– A idéia de fazer o filme resultou do trabalho do cineclube do Grupo Sul, que teve uma vida acidentada, por muitas interrupções em sua trajetória. Quando conseguíamos os filmes mais importantes da filmografia mundial para projetar e debater, chegava-se sempre à discussão do cinema brasileiro, de sua função social.

JS – Quer dizer que havia, então, uma preocupação com o que se estava fazendo em termos de cinema no Brasil?
Eglê
– É claro. E a partir dessa discussão surgia a vontade natural de participar e fazer filme. Quase todos os cineclubes da época tinham essa intenção. O nosso teve a 'audácia' de levar a idéia adiante. Hoje em dia, com as facilidades do Super-8, isto já não causa espanto: é normal que os cineclubes se organizem em torno do estúdio do cinema e partam, também, para a produção de filmes. Quer dizer, hoje os cineclubes são um 'viveiro' de pessoas que trabalham com o cinema.

JS – E havia condições técnicas e materiais para se pensar em realizar um filme na época?
Eglê
– A turma do Grupo Sul pensava, media e estudava as coisas e, de repente, fechava os olhos e dava um salto. Porque, na verdade, do ponto de vista financeiro, nós não poderíamos ter feito a revista, as edições (de livros) e tampouco o teatro.
Salim Miguel – Eu acho que não dava para fazer principalmente cinema que, mesmo sendo barato naquela época, era o investimento mais caro de todas as coisas ambiciosas que foram feitas.
Eglê – Era. E, na prática, significava experimentar as reais dificuldades do cinema brasileiro, invariavelmente podado, apesar dos períodos de florescimento. Quer dizer, impedia-se que o cinema brasileiro se afirmasse como uma manifestação cultural importante.

JS – Em síntese, seriam estas as dificuldades do grupo Sul?
Eglê
– Não. Para fazer o filme, não havia só a necessidade da nossa disposição e do trabalho dos que quisessem colaborar conosco. Nós tivemos, também, que conquistar, para a idéia do cinema brasileiro, muitas pessoas que entraram com cotas-parte de dinheiro para a realização dele. Pessoas que, creio, jamais pensaram realmente em ficar ricas com aquilo, mas que talvez tivessem tido a ilusão – e este foi um dos 'preços da ilusão' - de receber o dinheiro investido de volta. Apesar dos problemas que o filme teve, estas pessoas nunca exigiram suas partes de volta – pelo contrário, consideraram isto como uma 'cota-sacrifício' para a realização do filme.

JS – E como refletiam em Florianópolis as inquietações culturais do Brasil de então, que acabariam desencadeando movimentos do tipo cinema-novo?
Eglê
– Discutia-se cinema brasileiro e, é claro, discutia-se também a realidade sócio-econômica-cultural do país: sentia-se necessidade de garantir um lugar para um cinema feito no Brasil, que refletisse, que pensasse, que discutisse um Brasil real – não um Brasil fictício, cor-de-rosa. É realmente o ponto de vista do Cinema Novo.

JS – Além dos investimentos dos cotistas, com que outro tipo de recurso a equipe do Sul contava?
Eglê
– Se examinarmos o roteiro do filme e o próprio filme, perceberemos que "O Preço da Ilusão" foi feito muito modestamente, com um orçamento pequeno, uma equipe trabalhando em sistema cooperativo, e um grande número de atores figurantes e não-profissionais, com influência nítida do neo-realismo.

JS – Qual era a proposta do filme?
Eglê
– Propôs-se, através das duas histórias que o filme aborda, a fazer um corte na sociedade de Florianópolis. Coloca-se o problema da infância carente, que não tem atrás de si pais capazes de sustentá-las e garantir-lhe o futuro e, de outro lado, o problema da moça pequeno-burguesa que, de repente, vê-se tentada a galgar a escala social, numa época em que se mitificavam os concursos de miss. Participar dos concursos era um sonho das meninas da época, ávidas por aparecer nas capas das grandes revistas, como 'miss-qualquer-coisa'. Todos viam a beleza do concurso, aquele aparato todo, mas ninguém percebia o que se passava nos bastidores. Era isso que “O Preço da Ilusão” pretendia mostrar, também. E, antes de tudo, pretendia ser uma crônica da vida de uma cidade.

JS – Como surgiu o roteiro de "O Preço da Ilusão"?
Eglê
- A gente discutiu muito sobre o que iria fazer, até que, ao final, decidiu-se pelas histórias paralelas, envolvendo o menino-camelô e a moça que queria ser miss. A história foi construída durante uns dois ou três meses, sendo que a parte do menino era totalmente baseada num personagem real – o "Viração" – um pequeno camelô que agitava o centro de Florianópolis e entrava em todas as repartições. Nesta história, procurava-se mostrar a vida de um menino de família pobre, mas trabalhador, em que os pais depositavam toda a responsabilidade do sustento familiar. Paralelamente, o menino sonha em formar um conjunto de boi-de-mamão.

JS - Em contraponto funcionava a história da miss...
Salim
- É, mostrando sobretudo que as moças tinham facilidades em conseguir dinheiro – já que o concurso era por voto vendido – e o Maninho andava com o "Livro de Ouro" debaixo do braço, tentando conseguir alguns trocados para formar o "boi". Para ele, ninguém tinha dinheiro.

JS – Como vocês veriam a realização do filme hoje?
Eglê
– Do ponto de vista formal, o filme era muito pretensioso. Hoje em dia, a gente faz essa autocrítica: nós deveríamos ter sido mais modestos, embora quiséssemos fazer o filme da maneira mais simples possível. Por exemplo: como a história era em contraponto, pretendíamos inserir, nas passagens de cena, trechos de uma representação do boi-de-mamão. Isso acabou não dando certo. Procuramos mostrar, no desenvolver do filme, o dia-a-dia dos personagens: a mãe da menina que pretendia ser miss, a família do Maninho, os aventureiros que queriam aproveitar-se das candidatas, e assim por diante.

JS – Parece que o filme foi quase que inteiramente rodado em exteriores. Isso é verdade?
Eglê
– Sim. Cerca de 70% do filme é constituído de interiores.
Salim – E se pode dizer, inclusive, que praticamente toda a população de Florianópolis participou direta ou indiretamente do filme.

JS – O roteiro de "O Preço da Ilusão" parece ter uma particularidade interessante...
Eglê
– Exato. O roteiro é totalmente 'decupado', isto é, indica, para a equipe técnica, todos os elementos de cada tomada. Este tipo de roteiro quase não se faz mais, principalmente pelo avanço das máquinas cinematográficas: são mais precisas e permitem um manejo mais flexível, deixando a equipe mais à vontade para usar a imaginação, no momento da tomada.

JS – Isto não limitaria a capacidade criativa do diretor?
Eglê
– Isto é relativo. Se se compreende que a arte é a organização de elementos e se se leva em conta uma organização prévia destes elementos, pode-se ter o máximo de resultados. É preciso ver, também, que cinema é arte de equipe: quer dizer, mesmo quando o fulano acha que está fazendo sozinho, ele não está fazendo sozinho, ele está dependendo de uma porção de gente. Acho muito importante dizer que o cinema é, antes de tudo, uma arte de equipe e uma arte de massa. Ou seja: ele nasce como um trabalho coletivo e tende, por natureza, a dirigir-se para muita gente.

JS – E o resultado final do filme? Valeu a pena?
Salim
– Eu costumo dizer que a montagem é tão importante quanto a história e a direção de um filme. Uma montagem pode acabar com um filme. O próprio "O Preço da Ilusão" é um exemplo disso: o 'copião' em bruto, que nós vimos nos cinemas de Florianópolis, dava muito mais a idéia da história que nós pretendíamos realizar do que o produto acabado. Ele foi, em parte, liquidado na montagem.

JS – Isto se deve a quê?
Eglê
– O montador, do laboratório de São Paulo, não era uma pessoa ligada a nós. Era uma pessoa que tinha seus conceitos a respeito de ritmo de cinema, completamente diferentes do nosso, procurando seguir ritmos do cinema americano. Quer dizer, é a velha história: um dos problemas do cinema brasileiro é que ele é feito sempre procurando ser parecido com alguma coisa.

JS – Nesta linha de pensamento, a experiência de "O Preço da Ilusão" foi válida?
Eglê
– Claro. Eu costumo dizer que é importante que o cinema brasileiro exista mesmo quando ele é ruim. Quer dizer, "O Preço da Ilusão", mesmo sem entrar no mérito se vale como cinema, ele vale como um documento sobre a cidade, sobre a época, sobre os costumes, documento inclusive de linguagem. Vendo o roteiro, as falas, a gente nota modismos, maneiras de falar que são de época. Eu gostaria de lembrar que, quando falamos aqui de "O Preço da Ilusão", nós estamos levantando, paralelamente, todos os problemas do cinema brasileiro. Infelizmente, é a tal história: estamos falando de uma situação não superada.

[Segunda retranca da matéria publicada no Jornal de Semana, edição número 67, 10 a 17 de maio de 1980].

O Preço da Ilusão – Parte 3

Uma paixão cega pela arte de representar

Para a realização de "O Preço da Ilusão" a equipe do Grupo Sul necessitava amparar-se em pessoas com algumas experiências na área cinematográfica. Pensando nisto, trouxeram Nilton Nascimento e E. M. Santos, ambos com larga atuação na área cine-clubista e de produção de curtas. Paralelamente, procurava-se um ator que também pudesse colaborar, com sua experiência, na condução do restante do elenco.
Decidiu-se optar pelo nome de Celso Borges, um lageano que se projetara nacionalmente e vivia no Rio de Janeiro, fazendo cinema e teatro. Ele acabara de atuar em "Rio 40 Graus", de Nelson Pereira dos Santos, em "Agulha no Palheiro", de Alex Vianny, e em "Vestido de Noiva", peça de teatro de Nelson Rodrigues, de grande sucesso na época.
Celso Borges veio para Florianópolis para fazer o papel de Dr. Castro, um coronel que patrocinaria a candidatura de Maria da Graça (personagem do filme) no concurso "Rainha de Verão".
"Eu era o único ator que já tinha tido alguma experiência anterior", diz Celso Borges, "e achei 'O Preço da Ilusão' uma boa história para ser filmada. Acho, inclusive, que o filme poderia ter feito um grande sucesso na época, se tivesse dado certo".
Celso Borges lembra um fato, normalmente omitido pelos historiadores de cinema: "O Preço da Ilusão" surgiu na época em que estavam sendo produzidos os primeiros filmes do Cinema Novo e, embora não tivesse dado certo, foi incluído na história desse movimento. Era um filme de idéias avançadas, renovadoras, exatamente dentro do que se pretendia com a proposta cine-novista.

CARREIRA

Hoje, Celso Borges mora em Bom Jardim da Serra, no alto da Serra do Rio do Rastro, onde forçosamente teve que morar depois de concluído "O Preço da Ilusão". Dedica-se a atividades comerciais, mantendo, à beira da estrada, um pequeno armazém. "Tive que abandonar a carreira de ator porque minha mãe estava muito doente e precisa de mim. Fui ficando, ficando, e fiquei.
Apesar de isolado no interior de Santa Catarina, Celso diz que pretende prosseguir sua carreira, "tendo em vista inclusive os convites que tenho recebido para voltar à atividade". Ele tem planos, também, de realizar seu próprio filme: "Uma história que eu mesmo escrevi, enfocando um tema regional, ligado aos campos de Lages. Apesar de não te recursos, estou interessado em levar a idéia adiante, procurando contatos com possíveis produtores".

[Terceira retranca da matéria publicada no Jornal de Semana, edição número 67, 10 a 17 de maio de 1980].

O Preço da Ilusão – Parte 4


Da esquerda para a direita: Armando Carreirão, jornalista Bento Silvério (já falecido), Salim Miguel e este blogueiro, no dia da entrevista com o produtor de "O Preço da Ilusão", em 5 de maio de 1980. Foto: Rivaldo Souza.

A Praça 15 e a cidade inteira eram "sócias do filme"

O filme "O Preço da Ilusão" nasceu como "mais uma das saudáveis maluquices do Grupo Sul", diz Salim Miguel, um de seus realizadores. A idéia surgiu a partir das atividades do clube de cinema, presidido por Armando Carreirão e do qual participavam quase todos os membros do grupo.
Com a firme resolução de fazer o filme, os integrantes do Sul dividiram as tarefas práticas: Salim Miguel e Eglê Malheiros construíram o argumento e Carreirão ficaria encarregado de constituir a produtora.
O produtor não tinha dinheiro e, portanto, passou a vender cotas, visando a arrecadar os fundos necessários à concretização do filme. Dentre os que investiram destacam-se o ex-governador Aderbal Ramos da Silva, o escritor e professor Anibal Nunes Pires, o empresário Oscar Cardoso Filho, o próprio Carreirão, mais Hendy Miguel, o diretor Nilton Nascimento e o roteirista E. M. Santos. "Até desocupados e aposentados com cadeira cativa na Praça 15 de Novembro compraram 'ações' do filme", conta Carreirão, acrescentando que a equipe técnica participava com o trabalho e, em troca disso, recebia um contrato assinado, que daria o direito de ter participação nos lucros que o filme deveria proporcionar.

PRIMEIROS PASSOS

Com o argumento pronto e a produtora organizada, passou-se a pensar no próximo e importante passo para a realização do empreendimento: a constituição da equipe técnica e do elenco. Em vista da inexperiência do grupo, optou-se por trazer de São Paulo os elementos necessários: gerente de produção, câmera, iluminador, maquiador e outros. "Era um pessoal com experiência, mas sem chance", lembra Carreirão, "que acreditou no nosso trabalho e veio nos ajudar". Da prata da casa, figuravam o futuro cinegrafista da Produções Carreirão, José Hamilton Martinelli (hoje jornalista) e o fotógrafo do JS, Paulo Dutra, entre outros.
Para a composição do elenco, lançou-se um concurso, que acabou por mobilizar a atenção da cidade e fez com que o escritório de contabilidade do produtor fosse invadido pelos que pretendiam galgar os degraus da Sétima Arte. "O escritório ficou intransitável", diz Carreirão, "e apareceram pessoas das mais variadas camadas sociais, atraídas pela idéia de, do dia para a noite, virarem 'artistas de cinema'".
Para um dos principais papéis masculinos escolheu-se Bartolomeu Hamms, irmão do atual secretário da Comunicação Social, Jair Francisco Hamms. Mas, dias antes do início das filmagens, Bartolomeu ficou impedido de trabalhar, cedendo seu lugar ao ator de teatro Adélcio Costa.

IMPROVISAÇÃO

"A equipe era boa, o equipamento também e o filme virgem utilizado era da melhor qualidade", explica Carreirão. "Faltava, porém, alguma experiência a certos elementos da equipe. A 'script-girl', por exemplo, tinha a missão de anotar tudo o que estava em cena para que a continuação, no dia seguinte, se desse de forma correta, sem erros. Mas numa cena realizada sob a ponte Hercílio Luz aparecia acidentalmente, numa tomada, um cacho de bananas. Por qualquer motivo, esta cena não pôde ser continuada no dia seguinte. Três dias depois, quando a 'suíte' foi filmada, a 'script-girl' não anotou que havia o cacho de bananas e a cena ficou assim: quando os atores sentam, aparece o cacho; quando se levantam, ele não existe mais".
Outra cena pitoresca, lembrada por Carreirão e por Salim Miguel, diz respeito ao ator Celso Borges, que participava da cena final do filme, dentro de um carro, juntamente com a atriz Lilian Bassanesi. O roteiro exigia que o carro em que se encontravam 'caísse' da ponte Hercílio Luz, mergulhando nas águas da Baía Norte. Quando o filme foi exibido no Cine Ritz, em 'avant-premiére' - com uma verdadeira pompa hollywoodiana, holofotes, bandas de música, carro aberto conduzindo os atores - todas as pessoas se emocionaram com a morte trágica dos personagens. Celso Borges, no dia seguinte, caminhava pela Felipe Schmidt e era constantemente abordado pelas pessoas, que lhe perguntavam: "Mas o senhor não morreu?", entre perplexas e incrédulas. "Mas o senhor não caiu da ponte e morreu?".

PREJUÍZO

O dinheiro arrecadado não foi suficiente para recuperar o investimento. Os títulos iam vencendo nos bancos e precisavam ser pagos. Para que essa situação fosse contornada, Carreirão, através de sua empresa Produções Carreirão - que realizou cinejornais e documentários - levantou o dinheiro suficiente para pagar as dívidas.
Enquanto isso, as cópias do filme começaram a desaparecer. Até que um paulista - que Carreirão define como 'romântico' - propôs-se a remontar o filme. Embora sem dinheiro, ele levou o filme para São Paulo e propôs sociedade a uma atriz do teatro de revista, com a finalidade de recuperar a fita. Ela propôs como condição para sua participação o enxerto de algumas cenas em que aparecia numa boate dançando. Os dois acabaram brigando e a remontagem ficou incompleta.
Antes disso, o montador do laboratório paulista fez uma cópia em 16 mm do filme. Esta, ao que aparece, é a única cópia localizável, pois as demais, em 35 mm, sumiram.

REDESCOBERTA

Há cerca de um mês, o cineasta Sílvio Back remexia num laboratório de São Paulo os negativos de filmes antigos, visando a encontrar os rolos de um documentário pelo qual tinha especial interesse. Casualmente, encontrou os negativos-som e negativos-imagem de "O Preço da Ilusão". (*) Conhecedor do trabalho do Grupo Sul, Back escreveu ao superintendente da Fundação Catarinense de Cultura, comunicando o achado.
Agora, fundação e produtor pretendem recuperar os negativos e remontar o filme, visando a preservar parte da memória cultural catarinense. Armando Carreirão está seguindo para São Paulo, onde pretende rever o material (inclusive de cine-jornais e documentários) e analisar as condições técnicas de remontá-lo.

[Quarta retranca da matéria publicada no Jornal da Semana edição número 67, de 10 a 17 de maio de 1980].

(*) Na verdade, como se descobriu depois, tratou-se de um engano do diretor Sílvio Back.

O Preço da Ilusão – Parte 5

A atriz mais badalada só apareceu em duas cenas

Dinéia Maia foi a estrela que mais brilhou durante e depois das filmagens de "O Preço da Ilusão". Apresentada com estaque típico de atriz hollywoodiana durante a estréia, no Cine São José, tanto ela como o público acabaram decepcionados, quando a sua aparição na tela se dá em duas cenas com menos de um minuto de duração.
À época, Dinéia Maia, hoje Pederneiras, tinha 15 anos. A sua participação no filme, portanto, se deu sob os influxos aventureiros e de 'curtição' típicos da juventude. Havia debutado pouco tempo antes, desfilava de quando em vez e, por isso, ser atriz lhe apareceu como uma oportunidade de realizar um sonho que Dinéia não confessa hoje, mas deve ter sido muito acalentado: ser atriz.
Ela entrou para o 'cast' do filme por influência de Ilmar Carvalho, que ainda hoje é íntimo de grande parte da equipe que realizou "O Preço da Ilusão". Enquanto todas as demais atrizes, principalmente as de papéis destacados, enfrentaram uma seleção em que participaram mais de 200 candidatas, Dinéia entrosou-se à equipe como curiosa e participando de diversas cenas. Apresentado o filme, sua aparição se deu apenas nas seguintes tomadas: Teatro Álvaro de Carvalho, durante um coquetel. Dinéia mantém um rápido diálogo com um grupo na sala do diretor do teatro; segunda cena: jardins do Palácio da Agronômica. Todas as candidatas a um concurso de beleza que acontece no filme são apresentadas. Dinéia está entre as candidatas, embora não seja um delas.

OUTROS TRABALHOS

Com a experiência que adquiriu acompanhando as filmagens de "O Preço da Ilusão", Dinéia participou de vários documentários produzidos posteriormente pela equipe a Produções Carreirão. Inclusive, do primeiro filmado em cores. Para que as cenas não fossem filmadas sem ninguém, Dinéia foi contratada para ser partner de um ator paulista, Carlos Miranda, e juntos visitam vários locais turísticos de Florianópolis. Essa visita era, na verdade, o roteiro. Para quem viu o documentário, as cenas são vistas pelos olhos dos dois artistas.
Dinéia, apesar de ter tido a maioria das suas cenas cortadas, quando da montagem do filme, diz que não guarda nenhuma decepção. Ao contrário, afirma que guarda boas lembranças de toda a equipe, pela amizade verdadeira que os unia, onde prevaleciam as relações profissionais, apesar do improviso que imperou durante a realização do filme.

[Quinta retranca da matéria publicada no Jornal da Semana edição número 67, de 10 a 17 de maio de 1980].

O Preço da Ilusão – Parte 6


- Ficha técnica do filme O Preço da Ilusão -
Produção - Armando S. Carreirão
Diretor de produção - José Vedovato
Direção - Nilton Nascimento
Assistente de direção - Domingos de Gusmão Santos
Direção artística - E. M. Santos
Diretor de fotografia e câmera - Eliseo Fernandes
Assistente de câmera - José Matos e Clemente Paulo Dutra
Eletricistas - Osmar Silva e Mário Moraes
Maquinistas - Carlos Vieira e Catulo Morais
Assistentes de produção - Eny Souza e J. Jorge
Maquiagem - Alberto Cunha
Continuidade - Lia Nascimento
Argumento - Eglê Malheiros e Salim Miguel
Diálogos - Salim Miguel
Roteiro - E. M. Santos
Canções (sobre temas folclóricos) - Oswaldo F. Mello, Filho

- Ficha artística -
Lilian Bassanesi - Maria da Graça
Emanuel Miranda - Maninho da Silva
Celso Borges - Dr. João Castro
José Vedovato - Assis
Ilmar Carvalho - Edmundo Souza
Adélcio da Costa - Paulo
Sinova Wanderley - Lúcia
Murilo Pirajá Martins - Roberto
Sileide Costa - Celeste
José Mauro - Ferreira
Miro Morais - Miro
Felix Kleiss - Coronel Flores
Lourdes Silva - Dona Olga
Mário Moraes - Mário
Claudionor Lisboa - Sr. Auto

[Sexta retranca da matéria publicada no Jornal da Semana edição número 67, de 10 a 17 de maio de 1980].

10 fevereiro 2007

MEYER FILHO, UM ARTISTA CATARINENSE



A matéria que vocês vão ler a seguir foi publicada no Jornal de Santa Catarina, edição de 14 e 15 de setembro de 1980, página 16. Texto de Carlos Damião, fotos de Rivaldo Souza (um dos grandes repórteres fotográficos catarinenses, morto prematuramente em 1989). O gancho para a reportagem foi o fim da crise de criatividade de Ernesto Meyer Filho, talentoso artista plástico de Santa Catarina, reconhecido nacional e internacionalmente pela originalidade de suas obras.
Passar uma tarde na casa dele, situada na Rua Altamiro Guimarães, a poucos metros do Campo da Liga (onde hoje está o Beiramar Shopping), foi uma experiência inesquecível, tanto para mim, quanto para o Rivaldo. Saímos de lá deslumbrados com o trabalho desse artista e, é evidente, com o incrível poder de comunicação de Meyer Filho, manezinho dos bons, inigualável inventor de histórias fantásticas – como sua viagem ao Planeta Marte, narrada ao radialista Manoel de Menezes e recontada no texto a seguir.
Meyer morreu em 1991.Cinco anos depois, publiquei o livro Meyer Filho: Vida & Obra (Editora da Fundação Catarinense de Cultura). A edição está esgotada. Nas imagens, de cima para baixo: este repórter entrevistando Meyer Filho e reprodução da página do JSC que publicou a matéria.

MEYER FILHO: um galo cósmico

Meyer Filho, depois de um intervalo de nove meses em sua produção, retorna à atividade artística com toda a sua força criativa, desenhando, redesenhando e pintando. Sua casa, à Rua Altamiro Guimarães, é uma eterna festa de fantásticos galos cósmicos, pendurados na varanda, e que fazem a alegria do próprio artista, dos vizinhos e dos passantes.
Foram longos nove meses sem criar absolutamente nada, a não ser pequenos rabiscos em placas de eucatex. Há uma semana, Meyer Filho retomou os trabalhos, pintando arduamente durante horas e restabelecendo seus contatos com o planeta Marte, do qual manteve-se praticamente afastado no período de ‘greve espontânea’.
Quem chega à sua casa tanto pode encontrá-lo regando sua pequena e bem-cuidada horta ou cuidando de seus pássaros, quanto encerrado no estúdio ou desenhando e pintando – para alegria dos vizinhos e passantes – na varanda da casa, no primeiro andar.
“Se eu sou pintor”, diz Meyer Filho, “eu tenho o direito de pintar e desenhar o que eu bem entendo e quando eu quero. Na minha vida, só fiz o que gostei – a única coisa que fiz na marra foi trabalhar durante 30 anos no Banco do Brasil, para ganhar a vida. O resto eu fiz por prazer”. Neste período em que trabalhou no banco, Meyer ter produzido cerca de 30 mil desenhos – 26 mil dos quais ele jogou fora. Isso, segundo ele, daria uma produção média diária de três desenhos, rabiscados no verso de cheques, talões de depósitos, fichas e outros papéis utilizados em sua atividade bancária.
“Quando eu tinha cinco anos de Banco do Brasil e 27 de idade, descobri que meu negócio era a arte. A partir daí, passei a encarar o banco – que eu adoro, mas que tem uma raiva desgraçada de mim – como um meio de eu me tornar um grande artista e cuidar da minha família”. De fato, se tivesse intenção de seguir carreira, Meyer poderia, hoje, exercer altos cargos na administração do banco. “Alguns coleguinhas meus, que entraram depois de mim, hoje são ministros de Estado (caso de Ernani Galveas) ou diretores de bancos (casos de Osvaldo Colin, presidente do Banco do Brasil, e Elmar Heineck, diretor do Besc)”. Meyer Filho aposentou-se no dia 2 de julho de 1971, pelo INPS, “para ser pura e simplesmente pintor”. Não guarda mágoas destes 30 anos de trabalho, mas diz que “ex-coleguinhas hoje fazem questão de não reconhecer o pintor e a arte”.

PIONEIRO

Sua técnica é diversificada, mas, “como todo artista, costumo desenhar primeiro, para pintar depois”. Dispensa elementos acessórios para a criação e mostra a inutilidade de uma série de quadros em que procurou aproveitar conchas de mar mescladas com a pintura, na composição de galos. Como as conchas, coladas, não ficaram fixas, ele diz que prefere pintar e desenhar, “porque desenho e pintura não caem do quadro. E eu tenho necessidade de utilizar outros elementos para mostrar que sou criador. A minha arte existe para ficar. Se eu morrer e virar pó, a arte que eu produzi vai perdurar. Por isso, prefiro o desenho e a pintura”.
Galos ele pinta há muitos anos e estão presentes nos primeiros desenhos, inclusive da década de 1920, coletados por sua mãe e conservados pela família. “Mas eu pinto galos porque o galo é um símbolo universal da arte. E, modéstia à parte, é o símbolo do pintor Meyer Filho”. Explica que, em Portugal, existem sete milhões de habitantes e que cada casa conserva em seu interior, seja na parede ou em forma de estatueta, um galo. “Não tem turista que vá a Portugal e não traga um galinho de lembrança. Além do mais, o galo é um símbolo nacional informal da França. Está presente no peito de tudo quanto é jogador da seleção francesa”.
Meyer não cria apenas galos: trabalha também com a paisagem do interior da Ilha, “recriando-a, porque eu não sou inventor. Dou à paisagem um sentido mágico, já que a nossa Ilha de Santa Catarina é fantástica e pode me fornecer muitos elementos. Então, eu procuro esse sentido fantástico e surrealista para a pintura da minha paisagem”. Meyer diz que foi o primeiro pintor fantástico-surrealista do Sul do Brasil, “e quem achar que eu estou errado que diga, porque eu darei um belo quadro de presente se conseguir provar o contrário”.

MAIS APOIO

A arte de Santa Catarina ele considera tão boa quanto a de qualquer outra parte do Brasil. “Agora, se o governo patrocinasse, nós poderíamos fazer muito sucesso em todo o país. Nós temos que acabar com essa palhaçada de que o sujeito, para ser artista, tem que ser carioca, paulista ou mineiro. Está faltando apoio do Governo do Estado para que a gente possa realizar uma exposição fora daqui e mostrar que a nossa arte tem tanto valor quanto a que se faz no resto deste Brasil”. Meyer lamenta também que a arte não seja popular no País, “porque o brasileiro, de modo geral, passa fome, é subdesenvolvido e, por isso, tem horror à arte”.

POLÍTICA E RELIGIÃO

Meyer Filho considera-se politicamente neutro, pois rejeita a esquerda – “que me massacrou anos a fio” – a direita e o centro. “Os poderosos não me dão o apoio que eu mereço e, da esquerda, eu só recebo censura. Fui massacrado porque os caras achavam que eu era um gabola, que eu me promovia, que eu devia ser modesto. Então eu digo: há um erro muito grande nosso século. Todos pensam que nós vivemos no século da bomba atômica. Isso é uma mentira: nós vivemos o século da propaganda”.
“A bomba atômica é uma estupidez”, diz Meyer Filho, “e não passa de uma intimidação política. Será que eu estou errado?”. Ele acha que a bomba jamais seria usada porque “a humanidade é imbecil e muito burra, mas não imbecil e burra para se autodestruir. A bomba é igual à polícia, à igreja e à religião: serve para amedrontar o cidadão”.
Meyer se confessa religioso, diz que já foi católico e ateu e hoje é um espírita à sua maneira. “A religião é uma coisa necessária porque o mundo é tão estúpido que se você só olhar o lado material acaba entrando numa fossa desgraçada, pensando: pô, mas como é possível, só se pensar em dinheiro, e em enriquecer, enquanto a maioria é miserável? E neste mundo de tecnocracia em que vivemos cada vez temos mais miseráveis e uma minoria de milionários que não trabalham. A vida é isso?”.

COMUNISMO

– Tem que haver política e religião. Tem que haver até o Partido Comunista, que é pra raça aprender. Uma vez o meu pai falou: o mundo atual tem dois campos – o comunismo e o capitalismo. Então, o nosso capitalismo é a moderna exploração do homem pelo homem; é o tal do capitalismo selvagem. Concordo com o que dizia o meu falecido pai, o senhor Ernesto Meyer. Ele disse que o comunismo é um mal necessário, porque os capitalistas exploram miseravelmente os pobres. Não é demagogia, porque eu não sou político, mas já imaginaste se não existisse o Partido Comunista pra brecar essa cambada?
– A polícia tem que existir, porque se não todas as manhãs veríamos centenas de pessoas amanhecerem em todas as esquinas com punhal nas costas e a boca cheia de formiga. Se a vida é o que é, uma roubalheira total, imagina se não existisse polícia e cadeia.

MARTE

Meyer Filho é cidadão honorário do Planeta Marte. Por isso, define-se como um “cidadão especial”. Para quem pensa que essa história é brincadeira, Meyer esbraveja: É verdade. Eu já estive umas 20 vezes lá. Inclusive nos bons tempos da Rádio Jornal A Verdade, há uns 18 anos, eu e o Manoel de Menezes falamos durante quatro horas e meia sobre nossas incríveis aventuras no Planeta Marte. Naquele tempo, Santa Catarina estava fora do mapa, do mundo e do Brasil. Nenhum jornal comentou uma linha sobre nossa viagem. Hoje, um idiota qualquer da Tailândia, da Venezuela ou sei lá de onde, ganha as primeiras páginas de todos os jornais do mundo porque diz que viu um disco voador. Nós não vimos – nós estivemos em Marte, e ninguém, além de Tijucas, tomou conhecimento da nossa fantástica aventura”.

GALOS ERÓTICOS

Assim vive Meyer Filho, em sua casa da Rua Altamiro Guimarães, rodeado de quadros, rabiscos e recortes de jornal. Fantástico, cidadão do mundo, mítico, mago, louco, Meyer desenterra lentamente de seus arquivos desenhos feitos durante 30 anos de Banco do Brasil. De uma pasta, cuidadosamente escondida, ele tira outra pilha de desenhos – estes, vedados ao público infantil, que tanto aprecia seus galos cósmicos. São outros galos, desenhados a nanquim sobre papel chambril, carregados de forte dose de ‘erotismo cósmico’, estes desenhos mostram seus bichos ávidos de prazer, atacando mulheres idem. Por enquanto, o artista não pretende comercializar esta série de trabalhos eróticos (que ele chama de ‘sacanagens fantásticas’). Mas em breve poderá fazer uma exposição reservada a adultos – embora ache que os desenhos, diante da atual onde de liberalização, ‘já são coisas de jardim de infância’.

UM ROTEIRO DO ARTISTA

Nascido em Itajaí, em 4 de dezembro de 1919, Meyer Filho veio para Florianópolis com quatro anos de idade. Datam desta época seus primeiros rabiscos, conservados por sua família até hoje. Em 1941, entrou para o serviço público, através de concurso, e começou a trabalhar no Banco do Brasil, onde permaneceu até 1971, quando se aposentou.
Participou de cerca de cem exposições, entre individuais e coletivas, em praticamente todo o Brasil e no exterior. Possui obras nos principais museus de arte e em coleções particulares de todo o país e exterior (New York, Lisboa, Paris, Buenos Aires, Mar Del Plata, entre outras cidades). É considerado um dos grandes representantes da arte fantástico-surrealista brasileira, juntamente com outros dois catarinenses – Eli Heil e Franklin Cascaes.
Faz parte de sua atual fase de produção uma coleção de desenhos eróticos, que ele pretende reunir para uma futura exposição.

O QUE DIZEM OS CRÍTICOS

Theon Spanudis (revista Habitat) – Um surrealismo meio popular e sonhador e que não tem nada a ver com o surrealismo intelectualizado da maioria dos surrealistas. Senso de humor, o fantástico revelatório, o demoníaco ingênuo, tudo isso dentro de uma plasticidade densa, festiva, de beleza musical e dançante. As suas combinações cromáticas inesperadas, de extrema festividade e intensidade vibratória, o seu decorativismo festivo e inédito, fazem de sua obra um dos acontecimentos mais originais e festivos dentro do panorama atual das artes plásticas brasileiras.

Lindolf Bell – Meyer Filho apoderou-se dos mistérios criativos, misturando elementos da vegetação, do mundo animal, do universo submarino. Recria o folclore barriga-verde do Desterro, revestindo-o de linguagem própria, explosiva de cores, poética sempre. Seus galos, elevados à infinita possibilidade da cor e da forma, não encontram paralelos no desenho brasileiro. A constância dos temas não impede a constante reinvenção. Atestado de um domínio de seus instrumentos de trabalho, nunca sujeitos a modismos ou escolismos. Há quem atenda ao chamado mais profundo que as passageiras solicitações do fácil? Meyer Filho sabe disso. Seus desenhos são a sua própria justificativa.

Osmar Pisani – Com possibilidade infinita pelo domínio de uma técnica de requintes formais de extrema sensibilidade e riqueza, o poder criativo de Meyer Filho surpreende pela vitalidade e múltiplo colorido que emerge de seus galos, todos estranhos e de transcendente conotação surrealista.

08 fevereiro 2007

ODY FRAGA: CINEMA & SEXO


Ody Fraga (de preto) durante as filmagens de "A Fêmea do Mar", que dirigiu em Florianópolis, no ano de 1980. À esquerda da foto, o então assistente de direção Guilherme de Almeida Prado, que se tornaria brilhante cineasta nos anos 1990. Nua, a atriz portuguesa (naturalizada brasileira) Aldine Müller

HÁ 20 ANOS, ODY FRAGA MORRIA EM SP

Este ano, cineasta catarinense completaria 80 anos de nascimento. Ele participou ativamente do Grupo Sul

Ontem (quinta-feira) morreu o ex-diretor de cinema Ozualdo Candeias, um dos precursores da pornochanchada no Brasil. A morte de Candeias me deu o gancho que precisava para resgatar nos arquivos uma entrevista que Ody Fraga concedeu em abril de 1980 ao Jornal da Semana (número 63). Participei da entrevista e acompanhei as atividades do cineasta catarinense que foi companheiro de Candeias e outros profissionais do cinema erótico brasileiro daqueles tempos (o ciclo da pornochanchada estava terminando).
Ody veio dirigir "Jeruza do Mar" – que depois teve o nome alterado para "A Fêmea do Mar", por ser mais comercial –, um longa-metragem rodado em vários cenários da Ilha de Santa Catarina, mas principalmente na Praia Mole.
Ex-seminarista, Ody foi um personagem fundamental da cultura catarinense nos anos 1940 e 1950. Participou ativamente do Grupo Sul, na área teatral, tendo sido o primeiro diretor a comandar uma encenação de um texto de Jean-Paul Sartre no Brasil. Foi morar em São Paulo no início da década de 1960, tendo sido um dos pioneiros da TV2 Cultura (Fundação Padre Anchieta). Da TV, acabou na Boca do Lixo, tornando-se diretor de inúmeras pornochanchadas de sucesso, como a comédia "Histórias que Nossas Babás não Contavam".
Ody morreu em 1987, aos 59 anos. Seu nome é citado como um dos mais importantes da cinematografia marginal brasileira. Um de seus discípulos mais importantes foi Guilherme de Almeida Prado, que dirigiu algumas obras interessantes do cinema nacional nos anos 1980 e 1990 - entre as quais "Perfume de Gardênia" e "A Dama do Cine Shangai". Guilherme atuou como assistente de direção em "A Fêmea do Mar".


Jornal da Semana – A pornochanchada corresponde ao kung-fu no Brasil?
Ody Fraga
– Não. Há várias perspectivas e alguns erros semânticos da interpretação do fenômeno pornochanchada. Em primeiro lugar, ela é manipulada como uma arma contra o cinema nacional em si, estimulada pelas multinacionais e atingida por uma área da crítica mais conservadora - que aprendeu a falar, a pensar e a ir ao banheiro com o cinema americano. Eles aproveitam o termo pornochancada e tacham qualquer filme brasileiro como tal.

JS – Mas o que é pornochanchada?
Ody
– Boa pergunta. Eu não vi até hoje qualquer articulista ou crítico de cinema encarar seriamente o problema e se perguntar: mas por que apareceu a pornochanchada? É o nosso kung-fu? Foi, não é mais. A pornochanchada é hoje uma modalidade de cinema absolutamente decadente.

JS – Quando e como surgiu?
Ody
– Ela surgiu num momento agudo do cinema brasileiro, pura e simplesmente como fator de sobrevivência profissional. Eu costumo dizer o seguinte: a pornochanchada, no cinema, é o grande produto cultural da revolução de 1964. Ela é filha do AI-5. Na hora em que o cinema, todo o pensamento, toda a análise e toda a verdade foram estrangulados, uma solução de sobrevivência foi partir para a pornochanchada.

JS – Quer dizer, sai-se do cinema dito engajado e parte-se para o sexo...
Ody
– É. Um estudioso da Faculdade Álvares Penteado, de São Paulo, fez uma pesquisa sobre a colocação do sexo como tema de choque no cinema brasileiro. E por incrível que pareça, ele utilizou como exemplo o primeiro filme do gênero, coincidentemente um filme meu. Eu, que nunca me julguei iniciador de nada, contestei a afirmação e ele me disse: "A pornochanchada começa aqui, exatamente neste momento, neste filme, e acontece que o filme foi feito por Ody Fraga".

JS – Qual foi o filme?
Ody
– "Vidas Nuas". Filme que, por sinal, fez a fortuna de um ambicioso ex-eletricista de cinema. Estávamos rodando o filme e, quando ele já estava a meio caminho, a produtora faliu. Com isso, "Vidas Nuas" foi para a prateleira e eu para a televisão, onde fiquei dez anos. Certo dia, este ex-eletricista me procurou e disse que queria ser produtor, mas que não tinha condições para tanto. Perguntou se eu não tinha um roteiro, respondi que não, mas que poderia ajudá-lo em qualquer outra coisa. Ele me disse então que havia comprado os negativos daquele filme inacabado, "Vidas Nuas", e queria os direitos autorais. Eu cedi, ele montou o filme como estava, encaixou outras seqüências, lançou-o no mercado e fez de "Vidas Nuas" um sucesso. Ficou milionário.

JS – Como é o nome do ex-eletricista?
Ody
– Hoje ele é produtor dos filmes do Walter Hugo Khoury e vai entrar para a história do cinema, queiram ou não queiram. Chama-se Antônio Paulo Galante, mais conhecido como A. P. Galante.

JS – Não lhe parece que a pornochanchada no Brasil é uma espécie de "linha de montagem", ou seja, aperta-se um botão e saem filmes e mais filmes? Não que está havendo um processo de saturação e que isso precisa ser mudado?
Ody
– Não há dúvida. A pornochanchada está chegando ao fim da linha. Por vários motivos: primeiro, porque começou a produzir um dinheiro fácil e rápido. Com a rentabilidade fantástica, ela produziu, paralelamente, um benefício, porque trouxe o espectador às salas de exibição de cinema brasileiro. Mas, ao mesmo tempo, ela também tornou-se negativa, uma vez que começou a desmoralizar o próprio cinema brasileiro.

JS – Começou a desandar, então, quando descobriram o filão?
Ody
– Exato. Percebeu-se que era fácil ganhar dinheiro e muita gente passou fazer fitinhas rápidas, sem roteiro, sem anda. Reuniam meia dúzia de mulheres nuas em cima de uma cama, mais uns três ou quatro homens e aí dava no que dava.

JS – Houve alguma pornochanchada de bom nível, ou seja, feita com categoria e respeito ao espectador?
Ody
– Houve sim. Um exemplo disso é a fita "Ainda Agarro Essa Vizinha", do Pedro Paulo Rovai, com a Adriana Prieto. Outros exemplos: "A Viúva Virgem", do mesmo Rovai, e "Os Paqueras", do Reginaldo Faria. E há um filme meu que considero também nesta linha: "O Sexo Mora ao Lado", uma comédia urbana, com os ingredientes de mercado da época.

JS – Qual o exato momento em que a pornochanchada começa a declinar?
Ody
– Como ela teve a sua certidão de nascimento com o advento do Ato Institucional nº 5, ela, identicamente, recebeu o atestado de óbito com a queda do mesmo AI-5. Agora, precisamos fazer uma ressalva: nem todo o filme que tenha o sexo por temática é pornochanchada.

JS – Para o espectador mais esclarecido, essa distinção pode ser fácil. Mas, como fica o espectador comum? Será que ele percebe a diferença?
Ody
- Ele está evoluindo, porque saturou da pornochanchada. E é importante: este tipo de cinema acabou trazendo um benefício nesse sentido, porque o espectador comum já não procura a chamada 'linha de montagem'. Ele procura o cinema que lhe mostre o sexo misturado a outros problemas.

JS – E ele está, de fato, indo para outro tipo de filme?
Ody
– Está. E uma das provas maiores é o sucesso de "Mulher, Mulher", maior bilheteria de 1979.

JS – E os filmes de Walter Hugo Khoury? Não estariam numa linha de sexo mais intelectualizada?
Ody
– O Walter Hugo Khoury, para mim, não é um intelectual: é um bolo sem recheio. É o "barroco do vazio".

JS – Há quem o considere como o "Bergman brasileiro"...
Ody
– Ele tem um pecado capital: é não ser o Bergman sueco. Porque, tentar ser o "Bergman brasileiro", como se diz, resultou num péssimo carbono. E tão ruim que quase levou o A. P. Galante à bancarrota.

JS – Dentro de sua filmografia predomina, invariavelmente, o sexo como tema. Você não procurou outra linha de filme?
Ody
- Procurei. E, por coincidência, este filme que realizei foi o primeiro grande teste da abertura política. Chama-se “E Agora, José?” e é um filme sobre os direitos humanos, eminentemente político.

JS – É sobre o caso Herzog?
Ody
– Não. Sobre o caso Herzog o Aníbal Massaini está produzindo agora um filme. O Meu serviu inclusive de parâmetro para o Massaini, pois, se o “E Agora, José?” passasse na censura, significaria que o do Herzog também seria liberado. Houve, inclusive, uma expectativa muito grande.

JS – E a Censura liberou seu filme?
Ody
– Sem cortes. O maior problema agora é o patrulhamento de que estou sendo vítima, tanto de parte da esquerda, quanto da direita. A esquerda me acusa de não haver assumido no filme. Meu propósito, com “E Agora, José?” era fazer um filme exclusivamente sobre direitos humanos. Longe de mim ter o propósito de suscitar uma discussão ou fazer um discurso ideológico.

JS – Você abomina a “obra ideológica”, então?
Ody
– Eu sou contra o discurso político-ideológico na obra. Ela tem que ser o que ela é.

JS – E como é a história de “E Agora, José?”
Ody
– É a história de dois amigos, ex-colegas de faculdade. Eles se reencontram, bebem, recordam os bons tempos, arranjam duas prostitutas e passam uma noite divertida, no apartamento de um deles. Pela manhã, um deles (o visitante) desaparece e a polícia política bate no apartamento, prendendo o outro, um simples tecnocrata, sem militância alguma na esquerda. O resto da história se relaciona com torturas, morte, desencontros e adultério. É, enfim, um filme sobre os direitos humanos e sobre a liberdade do indivíduo.

JS – A história é bastante atual, já que as torturas predominaram até 1975/1976. Mesmo assim, não teve problemas com a censura?
Ody
– Teve. Mas, graças a uma interferência pessoal do ministro Petrônio Portella – na fase de contatos políticos e de projeto de abertura – ela foi liberada totalmente. Sem cortes. Há inclusive um detalhe curioso: foi o último filme que o Portella assistiu, antes de morrer.

JS – E como é que se explica que um jovem dramaturgo, escritor de peças tão herméticas que nem mesmo ele entendia, terminou como um dos reis da pornochanchada no Brasil?
Ody
– A pornochanchada não tem nenhum rei.

JS – Muda-se a pergunta, então. Como é que um jovem autor de peças teatrais herméticas encenadas nos palcos da Florianópolis da década de 1950 terminou como um bem-sucedido produtor e diretor de peças de sexo?
Ody
– Acho que naquela época a gente era ilhéu até de espírito e eu refletia isso no que escrevia. Refletia crises, problemas espirituais, místicos, existenciais. Hoje eu sou um tranqüilíssimo ateu.

JS – Mas apesar disso se pode notar nos seus filmes atuais o mesmo tipo de indagações.
Ody
– Claro, porque isso fica. Veja que no meu último filme, “Palácio de Vênus” – ainda inédito nas telas – eu criei uma série de situações, de questionamentos. Entre elas, incluí uma prostituta beata, santa religiosa. Poderia ter optado por outra caracterização, mas preferi esta.

JS – E tecnicamente, como está o cinema brasileiro?
Ody
– O equipamento continua obsoleto e só agora que se está pensando em renová-lo. Por isso, muitas vezes você vai ao cinema e vê um filme brasileiro com som e imagem desencontrados. Outras vezes, você não consegue ouvir nada ou a fotografia é péssima. Outras vezes ainda, a culpa disso tudo é dos péssimos projetores de cinema que nós temos, que são da pior qualidade possível. É preciso lembrar que o cinema moderno é imagem e som e por isso precisa estar acoplado de maneira satisfatória.

JS – Os equipamentos das salas de projeção não ajudam o cinema brasileiro...
Ody
– Exato. Se você projetar determinado filme no Ritz e, logo em seguida, projetá-lo no Cecomtur, vai notar uma diferença da noite pro dia.

JS – Por quê?
Ody
– Porque o equipamento do Ritz é melhor. O do Cecomtur é lastimável e normalmente “assassina” qualquer bom filme, destruindo todo um trabalho de criação.

JS – Diz-se que no Brasil não há cinema inteligente. Como é que você encara essa afirmação?
Ody
– Eu tenho uma outra opinião: acho que não há crítico inteligente no Brasil. E posso citar um exemplo, de um nome muito famoso, muito em moda atualmente: já publicou dois licros sobre cinema e não escreveu nenhum. É um autor entre aspas.

JS – Quem é?
Ody
– É o Rubens Ewald Filho. Um crítico americanista. A carteira de identidade dele e dos outros é um acidente sideral: não tem nada a ver com ele. São americanos e caíram por aqui.

JS – Por quê?
Ody
– Porque eles analisam e estudam o cinema brasileiro com padrões de cultura, de técnica e arte americanos. Nós não temos nada a ver com isso: temos que criar uma linguagem de cinema nosso.

JS – Você, que trabalhou dez anos em televisão, como encara o nível de qualidade da televisão brasileira? É, de fato, um dos melhores do mundo, como dizem?
Ody
– Não é um dos melhores do mundo. É um dos menos mal-cheirosos. O padrão “Globo de qualidade” e uma cloaca é a mesma coisa. Aquilo não é padrão.

JS – E a novela de televisão? Não reflete um avanço técnico e artístico?
Ody
– Não. A grande revolução da novela brasileira é uma revolução de texto. Não tem nada a ver com diretor – que é funcionário, capataz que faz marcação para a câmera. Isso é um blefe. Quem fez a revolução da televisão foi o Bráulio Pedroso, o Dias Gomes, o Walter Durst, autores de excelentes textos.

JS – Você vai rodar um filme em Florianópolis. Como será este filme?
Ody
– Chama-se “Jeruza do Mar”, com roteiro meu, influenciado por algumas leituras. Sempre tive o desejo e a pretensão de fazer um filme dentro da estrutura do clássico, da tragédia grega. Isso para mim é um desafio antigo e pretendo enfrentá-lo agora com “Jeruza”.

JS – Estaria distante da sua filmografia anterior?
Ody
– Sim, pois é a primeira vez que eu vou derivar para os meus temas mais pessoais. Pretendo voltar – agora sem hermetismos – para aquela temática do tempo em que eu escrevia teatro.

JS – E por que Florianópolis como cenário do filme?
Ody
– Eu poderia fazer o “Jeruza” de uma forma muito mais econômica, próximo da minha base de trabalho, que é São Paulo. Mas preferi a ilha por duas razões: uma, sentimental, porque eu queria rever Florianópolis e não tinha tempo de vir. Resolvi trabalhar aqui. Outra, porque eu já tenho um certo status profissional que me permite dizer ao produtor: “Quero fazer este filme em tal lugar”. Ele não poderá recusar. Há, ainda, uma terceira razão: a ilha tem uma certa identidade visual com o trabalho que eu pretendo.

JS – Já dá para viver de cinema no Brasil?
Ody
– Todos os produtores que estão fazendo cinema no Brasil vivem do cinema.

JS – E por que tantos apelam para a Embrafilme?
Ody
– A gente não deve esquecer a origem das coisas. A Embrafilme também é um produto da revolução de 1964.

JS – Quer dizer que o cinema brasileiro tem de agradecer ao AI-5, então?
Ody
– Não tem que agradecer nada. Ele tem que temer, sempre. Gosto de lembrar De Gaulle: nós não levamos uma cacetada estatizante de uma vez só, porque este aqui não é um país sério. Porque o problema da Embrafilme é o seguinte: ela delimita, cerceia.

JS – Mas tem gente que vive dos financiamentos da Embrafilme. E faz bons filmes.
Ody
– Tem. Mas eu sempre me recusei a participar desse jogo, porque a Embrafilme é um rio que vai desembocar em algum lugar. Vai desembocar, em longo prazo, na estatização do cinema. Não acredito neste pessoal dito de esquerda, que aceita o jogo da Embrafilme e faz o chamado filme engajado. Acho impossível você fazer um filme revolucionário com apoio oficial. Esta é uma esquerda profissional, que está aí para ser comprada.

JS – E o Nelson Pereira dos Santos? “Amuleto de Ogum” é um filme antológico?
Ody
– Eu acho o “Amuleto” uma besteira. E digo mais: não entendo como é que no Brasil um sujeito consegue, ao mesmo tempo, ser marxista e cristão. Isso é uma imbecilidade, uma pizza que não dá mistura: não liga a mussarela com a massa. “Amuleto de Ogum” é isso aí.

JS – Para você, quais seriam os diretores que estariam fazendo uma obra mais significativa no cinema brasileiro?
Ody
– O Joaquim Pedro de Andrade está sendo um bom cineasta; o Cacá Diegues, idem (principalmente seu filme “Bye Bye Brasil”).

JS – Você acha que o cinema brasileiro tem condições, daqui para frente, de competir com o cinema estrangeiro?
Ody
– Nós estamos conquistando o mercado na briga, no braço a braço. Mas é uma luta difícil.