06 abril 2007

Rua Felipe Schmidt – Parte 2

“No Senadinho ou na figueira se decidem os destinos do mundo. E o Senador vitalício, rodeado de sua corte, dá audiências e pontifica”. [Salim Miguel, na crônica “Não tem mais Ninguém”].

Lendas da Felipe Schmidt

A Felipe Schmidt, como centro de fofocas e falatório, foi sempre palco de histórias, umas bem, outras mal contadas. Entre as lendas do lugar, resgatamos três:

O “dono” dos carros

Aderbal Ramos da Silva era governador do Estado (1946-1950) e, apesar da pompa do carro, às vezes deixava seu carro estacionado nas imediações do Senadinho. Adolfo, guardador de carros – o ‘flanelinha’ da época – percebeu quando aquele homem severo aproximava-se do veículo, com as chaves na mão, pronto para abri-lo. “Um momento”, gritou Adolfo. O governador virou-se e viu o pobre coitado ao seu lado, em atitude intimidatória. “O que foi?”. O guardador não se fez de rogado e lascou: “Este carro é meu”. Aderbal entrou no jogo. “Ah, é seu? Quer vender?”. Ao que Adolfo assentiu positivamente com a cabeça. “Quanto é que você quer por ele?”. O rapaz estipulou um preço, equivalente a R$ 1 na moeda de hoje. Aderbal pôs a mão no bolso, catou umas moedas e “comprou” a liberdade do seu próprio carro.
O guardador, que não batia muito bem da bola, vivia se atritando com os donos dos carros e também com um guarda de trânsito, Marrequinha, outra figura folclórica da região central. Era o guarda aparecer para multar os automóveis estacionados irregularmente que Adolfo punha-se a discutir, autonomeando-se proprietário dos veículos. As discussões entre os dois eram célebres e chamavam a atenção de todos os que freqüentavam o Senadinho.

A orelha de Cesar Cals

O episódio da Novembrada (30 de novembro de 1979) começou na Praça XV de Novembro, em frente ao Palácio Rosado (depois Cruz e Sousa) e terminou na Felipe Schmidt, nas imediações do Ponto Chic. A assessoria do presidente João Figueiredo, que errou em tudo naquele dia, previu uma descida do general à praça, onde inauguraria uma placa em homenagem a Floriano Peixoto, seguindo depois para o Senadinho, onde a comitiva provaria o tradicional cafezinho e entraria para a história da instituição. Com a confusão armada na praça, populares destruíram a placa que lembrava o marechal que mandou matar mais de 100 desterrenses em 1893. A fúria prosseguiu pelo calçadão, onde a segurança fazia de tudo para deter os rebeldes, protegendo Figueiredo e seu staff. Entre os acompanhantes do general estava o ministro das Comunicações, Cesar Cals. Atingido por um tapaço na orelha, supostamente desferido por um motorista de táxi, Cals foi ao chão. Segundo a lenda, foi o único do grupo presidencial que sofreu alguma agressão física.

As meninas do Coração

A Felipe Schmidt foi, nos anos 40 e 50, a rua do “footing”, o tradicional passeio dominical das moças solteiras, que faziam o trajeto entre a Praça XV de Novembro e a esquina com a Rua Trajano várias vezes. “Elas vinham e voltavam”, lembra Aldírio Simões, “despertando idéias românticas e sensuais nos rapazes que circulavam durante as tardes, depois das vesperais dos cinemas (São José e Ritz)”.
Nos anos 60 e 70, o “footing” já não existia e a aglomeração masculina nas esquinas da Felipe Schmidt se dava por outra razão, especialmente nos dias de vento sul: assistir a passagem das estudantes do Coração de Jesus, até então um colégio exclusivamente feminino. Elas usavam saias beges plissadas que, ao sabor do vento intruso, às vezes subiam à cabeça, causando furor generalizado entre os rapazes.
Por causa do “footing” e das meninas do Coração a Felipe Schmidt foi considerada, durante muitos anos, a rua “da paquera”, num tempo em que não havia os shoppings, nem a Avenida Beira-Mar e pouca gente tinha carro para freqüentar as praias de Coqueiros, muito menos Canasvieiras.

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