06 abril 2007

Rua Felipe Schmidt - Parte 3

Figuraços da Felipe

O cronista da cidade, Beto Stodieck [esquerda], e o senador Alcides Ferreira, na esquina da Felipe Schmidt com a Rua Deodoro. Imagina-se que eles tinham acabado de sair do Cartório Luz, onde pediram a bênção habitual à Ciloca, filha do ex-governador Hercílio Luz. A obra que aparece à direita é a do ARS

O Senador – Alcides Hermógenes Vieira, elegante, impecável em seus ternos de linho branco, foi o personagem mais importante da história do Ponto Chic, ainda que pelo café tenham passado presidentes e candidatos a presidente da República. Conhecido como “Senador”, funcionário público, gozador emérito, entrou para a galeria dos tipos inesquecíveis da Rua Felipe Schmidt e adjacências pela irreverência com que abordava os mais diversos temas. Entre seus companheiros prediletos dos últimos anos estavam o jornalista José Hamilton Martinelli, Hercília Catarina da Luz (filha de Hercílio Luz e dona do cartório Luz), Cláudio Morais, entre outros. Com Martinelli (Martina) difundiu algumas das melhores histórias do folclore ilhéu.

Lurdes da Loteria – “Vai um bilhete da Federal, engenheiro agrônomo?”. No outro dia, o mesmo personagem abordado poderia ser médico, deputado, jornalista, qualquer coisa que viesse à cabeça de Lurdes da Loteria, uma personagem inesquecível da Rua Felipe Schmidt, ao longo de mais de 20 anos. Sempre bem vestida, séria, muitas vezes com uma renda prendendo o cabelo – o que lhe dava a aparência de uma evangélica ortodoxa –, Lurdes vendeu seus bilhetes para anônimos passantes, políticos, empresários, sem que se saiba se alguém, algum dia, conseguiu abiscoitar um “grande prêmio”. A vendedora morreu vítima do incêndio de sua casa de madeira.

O homem do Globo – Nos anos 60 e 70, outro figuraço que circulava pela Felipe Schmidt, sempre vestido de macacão azul, cigarro no canto da boca, era Ademar, o “homem do Globo”. Seu grito (“O Glooobôôô!!!”) era inteiramente integrado à paisagem humana do lugar, num tempo em que a leitura do jornal carioca era considerada fundamental para a atualização dos ilhéus, fato que justificava por inteiro a existência de um jornaleiro exclusivo.


Felipe Schmidt – Curiosidades

· A Igreja de São Francisco, na esquina com a Rua Deodoro, é o prédio mais antigo da Rua Felipe Schmidt, inaugurado em 1815. Nos fundos da igreja, ficava o cemitério da irmandade que administrava o templo católico. Desativado, o terreno foi adquirido pelo político Aderbal Ramos da Silva, que construiu em seu lugar o Centro Comercial ARS. (*)

· O Lux Hotel foi construído por volta de 1945, constituindo-se em um dos mais importantes estabelecimentos do gênero em Florianópolis, abrigando políticos e outras personalidades que visitavam a capital. Em seu térreo instalou-se o café Ponto Chic, cujo proprietário mantinha o Café Quidoca, num sobrado ao lado.

· Em frente ao Lux, havia a Confeitaria do Chiquinho, cujo prédio durante muitos anos abrigou a Lojas Arapuã e foi restaurado recentemente pela Livrarias Catarinense. O Chiquinho era um dos pontos de encontro mais imponentes de Florianópolis, famoso pela qualidade de seus quitutes.

· Próximo ao Largo Fagundes, hoje Praça Pio XII, havia uma casa noturna chamada Hemorragia, onde muitos homens dos anos 50 faziam suas “despedidas de solteiro”, naturalmente que muito bem acompanhados pelas meninas da boate.

· Um pouco acima, próximo à esquina com a Rua Bento Gonçalves, funcionou durante alguns anos a Boate Paineiras, que reunia a juventude dos anos 70.

· Entre os bares, destacavam-se o Alvorada, reduto da boêmia que existiu até a década de 70, e o Nipon, uma pastelaria que oferecia a antológica “cachamel”, uma caipirinha de mel servida em copos do tipo “martelinho”.

· O Café Nacional, também na primeira quadra, era conhecido como o “café dos políticos” nos anos 50.

· Duas emissoras de rádio funcionaram durante anos na Rua Felipe Schmidt: a Diário da Manhã, no edifício Comasa, e a Santa Catarina, no edifício Zahia.

· Quando morria alguém conhecido, os amigos pregavam um aviso na parede de mármore do Ponto Chic. A tradição se manteve até poucos anos.

· No final da Rua Felipe Schmidt, que era a saída da cidade, funcionou durante décadas um dos primeiros postos de gasolina da cidade, ao lado do mais tradicional restaurante de Florianópolis, o Lindacap, destruído por um incêndio há dois anos e reconstruído há poucos meses.

· A Livraria Record, existente na esquina com a Trajano, é o único estabelecimento da rua que mantém sua atividade original. Chamava-se Livraria Central, na década de 30, quando houve o alargamento e era de propriedade de Alberto Entres.

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(*) Aqui há um equívoco. Na verdade, o cemitério foi desativado no século 19. Quando Aderbal decidiu construir o ARS, foram demolidos os casarões que existiam nas ruas Felipe Schmidt, Jerônimo Coelho, Deodoro e Conselheiro Mafra. Alguns desses imóveis eram de propriedade da Hoepcke.

Um comentário:

Unknown disse...

Carlos Damião presta inestimável serviço à memória de Florianópolis, naquilo que ela tem de mais precioso mas volátil, pela sua própria natureza: seu material humano. A cena do "Senador" Alcides Ferreira abraçado com Beto Stodieck presumivelmente saindo do Cartório Luz, depois de abraçar Cilóca, tem o defeito de não incluir a imagem da própria, uma espécie de patrimônio da cidade em termos de representatividade do que seria uma "manezinha".