14 fevereiro 2007

O Preço da Ilusão – Parte 4


Da esquerda para a direita: Armando Carreirão, jornalista Bento Silvério (já falecido), Salim Miguel e este blogueiro, no dia da entrevista com o produtor de "O Preço da Ilusão", em 5 de maio de 1980. Foto: Rivaldo Souza.

A Praça 15 e a cidade inteira eram "sócias do filme"

O filme "O Preço da Ilusão" nasceu como "mais uma das saudáveis maluquices do Grupo Sul", diz Salim Miguel, um de seus realizadores. A idéia surgiu a partir das atividades do clube de cinema, presidido por Armando Carreirão e do qual participavam quase todos os membros do grupo.
Com a firme resolução de fazer o filme, os integrantes do Sul dividiram as tarefas práticas: Salim Miguel e Eglê Malheiros construíram o argumento e Carreirão ficaria encarregado de constituir a produtora.
O produtor não tinha dinheiro e, portanto, passou a vender cotas, visando a arrecadar os fundos necessários à concretização do filme. Dentre os que investiram destacam-se o ex-governador Aderbal Ramos da Silva, o escritor e professor Anibal Nunes Pires, o empresário Oscar Cardoso Filho, o próprio Carreirão, mais Hendy Miguel, o diretor Nilton Nascimento e o roteirista E. M. Santos. "Até desocupados e aposentados com cadeira cativa na Praça 15 de Novembro compraram 'ações' do filme", conta Carreirão, acrescentando que a equipe técnica participava com o trabalho e, em troca disso, recebia um contrato assinado, que daria o direito de ter participação nos lucros que o filme deveria proporcionar.

PRIMEIROS PASSOS

Com o argumento pronto e a produtora organizada, passou-se a pensar no próximo e importante passo para a realização do empreendimento: a constituição da equipe técnica e do elenco. Em vista da inexperiência do grupo, optou-se por trazer de São Paulo os elementos necessários: gerente de produção, câmera, iluminador, maquiador e outros. "Era um pessoal com experiência, mas sem chance", lembra Carreirão, "que acreditou no nosso trabalho e veio nos ajudar". Da prata da casa, figuravam o futuro cinegrafista da Produções Carreirão, José Hamilton Martinelli (hoje jornalista) e o fotógrafo do JS, Paulo Dutra, entre outros.
Para a composição do elenco, lançou-se um concurso, que acabou por mobilizar a atenção da cidade e fez com que o escritório de contabilidade do produtor fosse invadido pelos que pretendiam galgar os degraus da Sétima Arte. "O escritório ficou intransitável", diz Carreirão, "e apareceram pessoas das mais variadas camadas sociais, atraídas pela idéia de, do dia para a noite, virarem 'artistas de cinema'".
Para um dos principais papéis masculinos escolheu-se Bartolomeu Hamms, irmão do atual secretário da Comunicação Social, Jair Francisco Hamms. Mas, dias antes do início das filmagens, Bartolomeu ficou impedido de trabalhar, cedendo seu lugar ao ator de teatro Adélcio Costa.

IMPROVISAÇÃO

"A equipe era boa, o equipamento também e o filme virgem utilizado era da melhor qualidade", explica Carreirão. "Faltava, porém, alguma experiência a certos elementos da equipe. A 'script-girl', por exemplo, tinha a missão de anotar tudo o que estava em cena para que a continuação, no dia seguinte, se desse de forma correta, sem erros. Mas numa cena realizada sob a ponte Hercílio Luz aparecia acidentalmente, numa tomada, um cacho de bananas. Por qualquer motivo, esta cena não pôde ser continuada no dia seguinte. Três dias depois, quando a 'suíte' foi filmada, a 'script-girl' não anotou que havia o cacho de bananas e a cena ficou assim: quando os atores sentam, aparece o cacho; quando se levantam, ele não existe mais".
Outra cena pitoresca, lembrada por Carreirão e por Salim Miguel, diz respeito ao ator Celso Borges, que participava da cena final do filme, dentro de um carro, juntamente com a atriz Lilian Bassanesi. O roteiro exigia que o carro em que se encontravam 'caísse' da ponte Hercílio Luz, mergulhando nas águas da Baía Norte. Quando o filme foi exibido no Cine Ritz, em 'avant-premiére' - com uma verdadeira pompa hollywoodiana, holofotes, bandas de música, carro aberto conduzindo os atores - todas as pessoas se emocionaram com a morte trágica dos personagens. Celso Borges, no dia seguinte, caminhava pela Felipe Schmidt e era constantemente abordado pelas pessoas, que lhe perguntavam: "Mas o senhor não morreu?", entre perplexas e incrédulas. "Mas o senhor não caiu da ponte e morreu?".

PREJUÍZO

O dinheiro arrecadado não foi suficiente para recuperar o investimento. Os títulos iam vencendo nos bancos e precisavam ser pagos. Para que essa situação fosse contornada, Carreirão, através de sua empresa Produções Carreirão - que realizou cinejornais e documentários - levantou o dinheiro suficiente para pagar as dívidas.
Enquanto isso, as cópias do filme começaram a desaparecer. Até que um paulista - que Carreirão define como 'romântico' - propôs-se a remontar o filme. Embora sem dinheiro, ele levou o filme para São Paulo e propôs sociedade a uma atriz do teatro de revista, com a finalidade de recuperar a fita. Ela propôs como condição para sua participação o enxerto de algumas cenas em que aparecia numa boate dançando. Os dois acabaram brigando e a remontagem ficou incompleta.
Antes disso, o montador do laboratório paulista fez uma cópia em 16 mm do filme. Esta, ao que aparece, é a única cópia localizável, pois as demais, em 35 mm, sumiram.

REDESCOBERTA

Há cerca de um mês, o cineasta Sílvio Back remexia num laboratório de São Paulo os negativos de filmes antigos, visando a encontrar os rolos de um documentário pelo qual tinha especial interesse. Casualmente, encontrou os negativos-som e negativos-imagem de "O Preço da Ilusão". (*) Conhecedor do trabalho do Grupo Sul, Back escreveu ao superintendente da Fundação Catarinense de Cultura, comunicando o achado.
Agora, fundação e produtor pretendem recuperar os negativos e remontar o filme, visando a preservar parte da memória cultural catarinense. Armando Carreirão está seguindo para São Paulo, onde pretende rever o material (inclusive de cine-jornais e documentários) e analisar as condições técnicas de remontá-lo.

[Quarta retranca da matéria publicada no Jornal da Semana edição número 67, de 10 a 17 de maio de 1980].

(*) Na verdade, como se descobriu depois, tratou-se de um engano do diretor Sílvio Back.

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