22 fevereiro 2007

COLOMBO SALLES, O CONSTRUTOR DA 2ª PONTE

Ex-governador que construiu a ponte Colombo Salles adverte para os riscos de estrangulamento urbano em Florianópolis

ENTREVISTA COM O EX-GOVERNADOR COLOMBO MACHADO SALLES
Publicada em 15 de março de 2005 – No jornal A Notícia – Suplemento especial sobre os 30 anos de inauguração da Ponte Colombo Salles


Colombo Salles

"Capital exige planejamento cauteloso"

Estar no lugar certo na hora certa. Talvez essa condição de causa-e-efeito tenha sido determinante para que o engenheiro Colombo Machado Salles, um homem tímido, mas respeitado profissionalmente, inscrevesse seu nome em definitivo na História de Santa Catarina. Graduado pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Paraná, especializado em portos, vias e canais, ingressou no serviço público federal mediante concurso público e galgou os mais importantes postos em sua especialidade, chegando à direção do Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis. Além disso, implantou a estrutura administrativa que daria origem ao Governo do Distrito Federal e foi professor de universidades em Goiás, Brasília e Santa Catarina. Em 1970, foi surpreendido com a notícia de que seria o novo governador de Santa Catarina, o primeiro eleito de forma indireta, em substituição a Ivo Silveira. Antes mesmo de assumir, já tinha uma determinação: construir a segunda ligação entre a Ilha de Santa Catarina e o Continente. Ponte inaugurada em 8 de março de 1975 e que receberia seu nome.
Nesta entrevista exclusiva para A Notícia, concedida no dia 6 de janeiro deste ano, o ex-governador faz revelações sobre a casualidade que o levou à atividade política, sobre os principais eventos relacionados à construção da ponte e, ainda, sobre as decepções que marcaram sua vida, principalmente quanto ao aterro da Baía Sul.

A Notícia – Quando é que o senhor percebeu a necessidade de uma segunda ponte entre a Ilha de Santa Catarina e o Continente?
Colombo Salles
– Foi em janeiro de 1969. Eu trabalhava no Ministério dos Transportes, ligado diretamente ao ministro Mário Andreazza. Um dia ele me chamou e disse: "Tenho aqui uma correspondência oficial vinda do Itamaraty. Está lacrada. Eu sei o que é". Respondi-lhe: "Se está lacrada, não quero saber". Então ele me deu a determinação: "O senhor vai a Santa Catarina, entregar ao governador do Estado, doutor Ivo Silveira. Vai para casa agora e não comenta isso com ninguém. Voei num avião da Cruzeiro do Sul que ia direto para a capital catarinense. Quando eu abri o Jornal do Brasil, o conteúdo da minha correspondência estava todo ali. Chegando a Florianópolis, fui para o Palácio da Agronômica. O governador já tinha lido o jornal. Quando lhe entreguei a correspondência secreta ele disse: "Acho que já conheço o conteúdo". Abriu. Era do Ministério das Relações Exteriores comunicando que havia ocorrido problemas em duas pontes nos Estados Unidos (Silver Bridge, sobre o rio Ohio, e St. Mary Bridge, em West Virginia), similares à Hercílio Luz. Eram pontes pênseis projetadas para rodovia e ferrovia. Era um modelo só, com um cálculo só. É ponte só na travessia do canal, com dois viadutos laterais. Essa ponte do canal era sustentada por barras que têm um pino no meio. Lá nos Estados Unidos houve uma ruptura desse olhal que ligava as duas hastes.

AN – Os catarinenses, então, corriam o risco de perder a única ligação da capital com o continente?
Colombo – Como das três só tinha ficado de pé a Hercílio Luz, o Ministério achou por bem recomendar uma vistoria. Entreguei a correspondência para o governador. Minha missão foi cumprida. Fui a Laguna e voltei a Florianópolis. O governador me disse que ia se dirigir diretamente ao presidente da República. Mais tarde Andreazza me disse que Ivo Silveira havia feito uma exposição de motivos ao presidente da República, pedindo dispensa de concorrência pública para construção de uma outra ponte. Não vi o texto, só soube pelo ministro.

AN – O senhor continuou em Brasília?
Colombo
– Não. Andreazza me mandou para Santa Catarina, para trabalhar no Governo do Estado. O ministro queria o meu apoio no Estado para a sua eventual candidatura à Presidência da República. Ivo Silveira me nomeou para o Plameg (Plano de Metas do Governo). Três meses depois, recebi um telefonema de Andreazza, me convocando de novo para Brasília, onde assumiria a diretoria do DNPVN. Era o auge da minha carreira, o ponto mais alto. Pedi demissão do Governo do Estado e assumi o departamento. Tempos depois, fui convidado para dar uma palestra em São Paulo, cujo tema era justamente a minha especialidade técnica. Quando eu estava no meio da exposição, o presidente do diretório acadêmico surgiu e me interrompeu. Quando a gente está fazendo uma exposição numa universidade e surge no meio o presidente do diretório a gente pensa: "Dei uma bola fora". Pior ainda, o assunto não era muito bem recebido pela população. O rapaz disse: "Eu estou interrompendo porque a Hora do Brasil acaba de anunciar que o nosso palestrante foi indicado para a eleição indireta, pela Assembléia Legislativa, para o Governo do Estado de Santa Catarina". Me preparei para uma vaia.

AN – Foi aí que o senhor soube?
Colombo
– Foi. Eu soube pelo estudante. Nunca ninguém me falou quem teria sido o responsável. Sabia que o doutor Muniz Aragão (secretário da Saúde do governo Ivo Silveira) era candidato, e ele era um homem muito correto. Pronto para ouvir uma vaia depois que o líder estudantil falou, para surpresa minha, fui aplaudido. Aí acabou a palestra, acabou tudo. Voltei para casa no dia seguinte e depois fui falar com o Andreazza. Ele disse: "Vai deixar o cargo que você gosta para ocupar um cargo político?".

AN – Quem escolheu o senhor?
Colombo
– Não sei. Desconfio. O Andreazza dizia: "Você está maluco".

AN – Mas não foi o Andreazza?
Colombo
- Não foi ele.

AN – O senhor procurou saber?
Colombo
– Sim. Mas fui ao presidente Emílio Médici, ele não me disse nada. "Presidente, meu último ancestral político foi o Lauro Müller, irmão da minha avó. E o Felipe Schmidt, que era primo do meu pai. Meu pai não teve atividade política e eu fui criado na geração do Getúlio, quando, como o senhor sabe, não havia manifestação política, não havia nada. Nunca me envolvi em política. Nunca assisti um comício. Ele olhou para mim e disse: "Eu também não". Presidente, o que é que eu faço? "Vai trabalhar, vai". Ele me tratava com muito carinho. Fizeram muita injustiça com ele, Médici não era esse homem de quem falam, de "era de chumbo". Governei Santa Catarina durante quatro anos, nunca ninguém foi agredido com atos, gestos, palavras, ninguém foi preso.
Tinha uns processos na CGI, duas personalidades importantes. O almirante estava sozinho aqui, convivia muito com agente, fizemos amizade. Um dia, uma personalidade daqui, de muito respeito, me procurou, triste porque tinha um processo na Comissão Geral de Inquérito (CGI) contra ele. Um industrial de Blumenau também estava sendo investigado.

AN – Quais eram os nomes?
Colombo
– Embora já tenham morrido, prefiro não citar os nomes. Falei para o almirante sobre o que havia na CGI. Nada. No outro dia, me telefonou. Um deles era uma situação tão absurda, que mandei eliminar. O outro era problema de recolhimento de impostos. A pessoa recolheu, tudo certo.

AN – Já havia um projeto para a ponte quando o senhor assumiu?
Colombo
– O projeto do aterro da Baía Sul é de minha autoria. O governador Celso Ramos (administrou o Estado no período de 1961 a 1965) gostou muito, conseguiu a aprovação e na transferência dos documentos do ministério da Viação e Obras Públicas (depois Transportes), do Rio para Brasília os documentos desapareceram. Quando eu assumi, o aterro já estava aprovado. Como eu tinha sido presidente do conselho de administração da Companhia Brasileira de Dragagem, na qualidade de diretor geral do DPVN, consegui imediatamente a draga. Muito antes de começar a construção da ponte, o aterro já estava quase pronto. Com o projeto do aterro, já fizeram também o planejamento para duas pontes e o projeto dos túneis. Tinha recursos para isso, que foram utilizados para ampliar a Beira-Mar Norte. Não quis começar o aterro do Saco dos Limões (Via Expressa Sul) porque não ia terminar, era uma questão de ética.

AN – É certo afirmar que o aterro não seguiu o projeto original?
Colombo
– Como tinha esse aterro, eles projetaram duas pontes, que se chamariam Paulo Fontes, que projetou o primeiro aterro e Gustavo Richard, que era o vice-governador de Lauro Müller. Foi feito então um projeto de ocupação do aterro. Era muito bonito, foi aprovado pela lei federal 5.013, de 9 de outubro de 1974. Foi revogado pela lei 5.483 de 9 de outubro de 1978, da Assembléia Legislativa. Foi revogado porque a Câmara dos Vereadores de Florianópolis não aprovou o projeto, deixou em banho-maria. Haveria um centro comercial, que manteria todo o sistema comercial. Hoje está uma balbúrdia no trânsito, porque o comércio grande está se deslocando. Havia um projeto de um shopping, onde haveria local exclusivo para o comércio. Havia uma parte de edifícios um centro administrativo oficial. Havia uma parte para escritórios, outra para residências de pessoas de baixa renda, para não gastar com transporte, e uma área reservada para um centro ecumênico.

AN – Por que a Câmara de Vereadores não aprovou?
Colombo
– Esse projeto chegou à Câmara de Vereadores e foi bombardeado. O vereador Valdemar da Silva Filho (Caruso) dizia que o aterro era "o enterro do Desterro". Por causa da oposição, que dizia que afastei Florianópolis do mar, a Câmara não aprovou. Outros governadores fizeram modificações posteriores. Tenho um carinho especial pelo aterro, porque nasceu da minha cabeça mas virou uma balbúrdia.

AN – Não havia outra solução?
Colombo
– Foi um problema econômico também. Economizamos um vão de ponte, a ponte ficou mais curta, mais barata. Sabe qual é a profundidade das fundações? Nove metros de água e 70 metros de argila orgânica. Desci várias vezes para conhecer os trabalhos. As fundações são caras e é a parte que não aparece.

AN – E aquela estação de tratamento de esgotos? Havia alguma previsão?
Colombo
– Havia um projeto de esgoto, comprei várias áreas de decantação, não sei porque não executaram. Aí resolveram colocar o esgoto no aterro. É uma pena, na entrada na cidade.

AN – O fim do Miramar é motivo para lamentação na capital. Como é que isso ocorreu?
Colombo
– Ali não dava para chegar, era lodo puro, não dava para usar. Quando a maré subia, chegava nas lojas. Sou muito criticado por causa do Miramar. Mas o Miramar caiu, não foi derrubado. Era um trapiche coberto, não tinha estilo, não tinha nada. Era freqüentado por pessoas sem muito conceito. À noite ninguém ia ali. Cheguei a limpar o local, fiz várias exposições, não ia ninguém, porque quem freqüentava não tinha bom conceito. Quando veio a draga, a estrutura foi abalada.
Muitos dos que criticam o Miramar nem conheceram o trapiche.

AN – Como é que o senhor avalia o futuro de Florianópolis?
Colombo
– Urge a necessidade de uma revisão de planejamento cauteloso, com base em pesquisas e competência para o futuro. A desordem grassou aqui, cresceu, e hoje está difícil dirigir pelas ruas projetadas, antigas. Há necessidade de um sistema viário secundário, como a via expressa, que tem um ramo que liga à Beira-Mar Norte (Rua Antônio Edu Vieira). Ela foi projetada para ser a continuação da Via Expressa. Tem que encontrar outra solução.

AN – O senhor saiu do governo frustrado com alguma coisa?
Colombo
– No setor de transportes, de todos os 25 projetos que tinha para realizar, o único que não concluí foi o da BR-282. Mas a estrada longitudinal ligando São Miguel d'Oeste a Lages só foi possível porque fizemos de Rio do Sul a Campos Novos. Então, houve um dispêndio que não estava previsto no projeto. E até hoje não concluíram a BR. Isso me decepcionou. Também o processo não foi debatido. A Câmara de Vereadores me decepcionou não aprovando a urbanização do aterro. A cidade teria outro aspecto.

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